Apontamentos fugazes 234

Reprodução

Nem todas as coisas aspiram a isso, mas tens razão Aristóteles, essa é a maneira mais comum de aspirar ao eterno e ao divino. Só que nós, nós temos a arte.
É que essa é a função mais natural, para os seres vivos perfeitos — os não mutilados, nem de geração espontânea —, produzir um outro da mesma qualidade da sua: o animal, um animal; a planta, uma planta. Isto para que possam participar do eterno e do divino do modo que for possível; todas as coisas aspiram a isso, e tudo quanto fazem de acordo com a natureza, fazem tendo em vista isso.  
Aristóteles, Sobre a Alma, tr. Ana Maria Lóio, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2010, 415a, 25 a 415b

Apontamentos fugazes 233

Vislumbres de realidade

Wangel (observando-a): Ora pensa lá um bocado, querida. Ou… se calhar já não consegues lembrar-te de como ele era, quando esteve contigo no Bratthamer?
Ellida (reflectindo, fecha os olhos um instante): Não, muito nitidamente não consigo. Hoje não consigo. Não é estranho?
Wangel: Não, não é assim tão estranho. Apareceu-te à frente uma nova imagem, feita a partir da realidade. E esta imagem eclipsa a imagem antiga que tinhas, e por isso deixas de a poder ver.
Ellida: Achas, Wangel?
Wangel: Acho, e acho que também afasta as tuas fantasias doentias. Por isso, é bom que a realidade tenha aparecido.
Ellida: Bom! Dizes que é bom?
Wangel: Sim. Teres visto a realidade… pode bem ser a tua cura. 

Henrik Ibsen, A dama do mar em Peças Escolhidas - vol 2, Cotovia, 2008, 4º Acto, p. 194.