Pensamentos líquidos 92

A geografia da felicidade

Nos últimos dias tenho-vos mostrado citações de um livro. Um livro escrito por um “happiness seeker”, mas também um “happiness thinker” – Eric Weiner. Um livro de um leigo sobre o estudo da felicidade. Um livro delicioso.

O estudo da felicidade não é, nas ciências sociais, um campo de pensamento muito antigo, ainda que pareça. Talvez por ter sido sempre um tema de interesse à filosofia… mas na sociologia, na antropologia, na psicologia, sempre se privilegiou o estudo do comportamento e não das relações causais entre as variáveis de interesse e a felicidade. Ramos pouco reconhecidos da economia tentaram, nas últimas décadas, explorar essa relação. Mas parece-me que os economistas mainstream continuam a achar que estes são ramos pouco legítimos desta ciência.

Para mim, que estou farta de macro, de micro, de política monetária e, acima de tudo, de finanças, adoro a ideia de ter a economia penetrada por ideias tão subtis e interessantes como o estudo da felicidade. Daquilo que investiguei, o centro europeu abarca a maior parte dos economistas estudiosos da felicidade: Holanda, Suiça… e é curiosamente na Holanda que o livro de Weiner começa: nos dados que existem sobre a relação entre geografia e felicidade.

Weiner permite-nos embarcar numa viagem absolutamente incrível. Pelo menos, eu embarquei com ele. Talvez seja algo muito inato: como Weiner diria, eu sou, provavelmente, uma desadequada cultural, uma emigrante hedónica. Mas independentemente do que qualquer um de vós é, acho importante dizer-vos: leiam, nem que seja por curiosidade: vão viajar da Holanda aos Estados Unidos, passando por sítios tão diversos como o Qatar, o Butão, a Moldávia, a Islândia ou a Índia. E vão ver que sendo ou não emigrantes hedónicos, podem sempre ser curiosos hedónicos. E ainda que não fiquem com a curiosidade aplacada, ficarão decerto mais ricos. Hedonicamente.
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Apontamentos fugazes 121

Acerca da surpresa islandesa

«O mais elevado elogio que um estrangeiro fez alguma vez à Islândia teve lugar quando, no século XIX, um dinamarquês de nome Rasmus Christian Rask delcarou ter aprendido islandês “para ser capaz de pensar”».

«– Sim, na Islândia, o insucesso não acarreta um estigma. Na verdade, nós, em certa medida, até admiramos os insucessos.
(…)
Nós, os americanos, gostamos de pensar que também abraçamos o insucesso, e é verdade, até certo ponto. Gostamos de uma boa história de insucesso, desde que ela acabe com sucesso. (…) Nestas histórias, o insucesso serve meramente para adoçar o sabor do sucesso. É a entrada. Para os islandeses, no entanto, o insucesso é o prato principal.»

«Aqui está o líder da fé pagã da Islândia a dizer-me que toda a religião pode ser uma confusão mental. Isto é o mesmo que o papa dizer “Pode ser que a Bíblia seja um monte de disparates, mas pelo menos é qualquer coisa para acreditarmos.” Contudo, é isso, precisamente, o que Gilmar está a dizer. Não é aquilo em que acreditamos que nos faz felizes mas o acto de acreditar.
(…)
Ao contrário dos deuses da mitologia grega e romana, [os deuses nórdicos] raramente disputam entre si o controlo sobre os humanos ou os heróis semidivinos, nem gozam da complacência da imortalidade.»

«E, no entanto, ao longo dos anos, tenho conhecido muitas pessoas como Jared, que parecem sentir-se mais em casa, mais felizes, vivendo num país que não aquele em que nasceram. Pessoas como Linda, no Butão. Ela e Jared são refugiados. Não refugiados políticos, fugindo a um regime repressivo, não refugiados económicos, atravessando a fronteira em busca de um emprego mais bem pago. São refugiados hedónicos, porque são mais felizes ali. Normalmente, os refugiados têm uma epifania, um momento de grande claridade quando constatam, para lá de qualquer dúvida, que nasceram no país errado.
(…)
Cada sociedade precisa dos seus inadaptados culturais. São essas pessoas – aqueles que são parcialmente, não totalmente, alienados da sua própria cultura – quem produz grande arte e ciência.»

Eric Weiner, «A geografia da felicidade», Lua de papel, pp. 185, 192, 204, 209
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Apontamentos fugazes 120

A propósito da felicidade no Butão

«E lá está ela de novo: a morte. Um assunto que, estranhamente surge com terrível frequência na minha busca da felicidade. Talvez não possamos mesmo ser felizes sem primeiro aprendermos a conviver com a nossa mortalidade. »

«Linda explica que muitos homens butaneses fazem retiros de meditação que duram três anos, três meses e três dias, (…) Durante três anos três meses e três dias não fazem outra coisa senão meditar. Nem mesmo cortar o cabelo.
– Durante três anos não falam.
Isto para mim era logo um obstáculo intransponível. O máximo de tempo que estive sem falar foi nove horas. E na altura estava a dormir.
O governo manda estender linhas eléctricas até às pequenas cabanas de madeira, empoleiradas na beira de um penhasco, onde os homens fazem a sua meditação.
– Que outro país gastaria cem mil dólares para electrificar um lugar minúsculo nas montanhas? Diriam logo “não, não, se quiser vem cá a baixo.»

«O PDB [Produto Doméstico Bruto] não regista, como disse Robert Kennedy, “a beleza da nossa poesia ou a solidez dos nossos casamentos ou a inteligência do nosso debate público”. O PDB mede tudo, concluiu Kennedy, “excepto aquilo por que vale a pena viver.
(…)
A Felicidade Interna Bruta [FIB] é uma ideia inicialmente sugerida pelo rei Wangchuk do Butão, em 1973. No entanto, ela só se popularizou quando, em 1986, um jovem e inteligente jornalista de nome Michael Elliot entrevistou o rei para o Financial Times.
(…)
A FIB, explica-me Penjor [proprietário de um hotel no Butão], “significa conhecermos as nossas limitações; sabermos o quanto é suficiente”. (…) Como diz o economista renegado E. F. Schumacher: “Há sociedades pobres que têm muito pouco. Mas qual é a sociedade rica que diz ‘Chega! Já temos o suficiente?! Nenhuma. (…) Como diz Schumacher “quanto mais rica é uma sociedade, mais difícil se torna para ela realizar coisas válidas que não impliquem uma contrapartida imediata.
(…)
Estabelecendo ainda outro paralelo com Shangri-La, atentem neste diálogo entre Miss Brinklow, a missionária britânica, e Chang, o inescrutável anfitrião de Shangri-La.
– Que fazem os lamas? – pergunta ela.
– Dedicam-se, minha senhora, à contemplação e à busca da sabedoria.
– Mas isso é não fazer nada.
– Então não fazem nada, minha senhora.»

«O Butão não é Shangri-La, disso tenho a certeza, mas é um lugar estranho, peculiar, em pequena e larga medida. Aqui ficamos confusos e, quando isso acontece, abre-se uma brecha na nossa armadura. Uma brecha que, se tivermos sorte, pode ser suficientemente grande para deixar entrar alguns raios de luz.»

Eric Weiner, «A geografia da felicidade», Lua de papel, pp. 92-93, 95-97, 116

Apontamentos fugazes 119

Sobre a felicidade dos suíços

«Os suíços detestam falar de dinheiro. Para eles é preferível falar das verrugas genitais do que ter que revelar o valor do ordenado.»

«Precisamos de uma nova palavra para descrever a felicidade suíça. Algo mais do que simples satisfação, mas menos do que alegria absoluta. Satilegria, talvez.»


Eric Weiner, «A geografia da felicidade», Lua de papel, pp. 46 e 64.