Já, por várias vezes, referi como adoro a sensação de descobrir um músico novo e de sentir aquele arrebatamento, que precisa de uma repetição que só questiona o seu término. Mas não é fácil encontrar este querer com traços de obsessão e não sentir medo. Medo de o exaurir, medo de descobrir que não é assim tão bom, medo de o perigar com a expectativa. Porém, esse medo é um privilégio. Só o que é especial pode provocar esse medo.
Descobri, incidentalmente, Tamino. Tamino é um jovem – muito jovem – que faz uma música muito antiga. Uma música de um ancião de elevada técnica e sabedoria. Uma música que parece ecoar a partir dos primórdios do tempo. Uma música que faz ressoar verdades imemoriais, naturalmente impossíveis de aceder se Tamino não existisse.
Tamino vive na Bélgica, filho de mãe belga e pai egípcio, e processa na sua música uma síntese que assusta. Podia dizer-vos que nele ouço reverberar a intensidade do Jeff Buckley, a escuridão do Nick Cave, a elegância de Serge Gainsburg e a paixão árabe. Seria verdade. Mas escolho dizer-vos por que é que a síntese que ele consegue assusta. Assusta porque é improvável tanta maturidade musical em alguém tão jovem. E porque a síntese de componentes aparentemente díspares arrisca a ser um aglomerado disparatado. Mas o que Tamino nos traz, no EPs Tamino e Habibi, é uma síntese coerente. Pode haver ecos do passado, mas é na criação do que é seu que Tamino sobressai.
A criação de Tamino faz sentido. E num mundo que não o tem, a arte é todo o sentido que sabemos criar. Quando sabemos. Ele sabe.
Talvez este seja um post demasiado arrebatado. Mas é justo.
O último álbum de Iggy Pop, Post Pop Depression, de 2016, é uma obra incrível, que muito rapidamente passei a recomendar. O que eu nunca pensei foi passar o concerto de Iggy, no Super Bock Super Rock, em perfeito êxtase, mesmo quando só cantou um tema deste álbum. Digo-vos, com toda a sinceridade, que foi dos concertos que mais me impressionou até agora em 2016. Não percam a oportunidade, se puderem ver um concerto de Iggy Pop ao vivo. Ele fará tudo para tornar o concerto memorável.
Referi há algum tempo que queria escrever sobre o último álbum dos Radiohead, A Moon Shaped Pool, quando partilhei uma versão antiga de uma música recuperada nesse álbum – True love waits.
Desde essa altura, várias coisas aconteceram. Em particular, vi o concerto dos Radiohead no Primavera Sound, em Barcelona. E se a reação esperada seria o embevecimento, o que aconteceu foi o oposto. Imaginem o que é estar a quilómetros de onde decorre um concerto e ouvir resquícios da música distorcida pela distância. Foi o que me aconteceu no concerto dos Radiohead no Primavera Sound. As condições de som foram paupérrimas e posso apenas acreditar – tendo em atenção as críticas que li – que os Radiohead deram um bom concerto. Mas, para uma fã, isto é pura mágoa. Já escrevi um email reprovador à organização do Primavera Sound porque as condições de som foram, em geral, bastante más e revelam pouco cuidado com os artistas. E um festival de música digno precisa de evidenciar o maior respeito pelos artistas e não se preocupar miopemente com a dimensão.
Mas A Moon Shaped Pool merece um post em êxtase. E comecei-o com comentários acerca do concerto apenas para provar que nem um concerto triste pode mudar a minha opinião.
Os álbuns anteriores, The King of Limbs e, mesmo, In Rainbows são álbuns difíceis, que demorei algum tempo a aprender a gostar e que, mesmo assim, conservaram sempre alguma distância, debalde as minhas tentativas de aproximação. Durante algum tempo, na sua torre de perfeição, os Radiohead começaram a criar algo tão imaculável, mas tão incrivelmente abstrato, que me senti ligeiramente perdida. Isto não quer dizer que me tenha afastado dos Radiohead. Os Radiohead serão sempre especiais. Os Radiohead serão sempre mais especiais.
Com A Moon Shaped Pool, os Radiohead regressam à abstração perfeita não hermética. A Moon Shaped Pool é um álbum despido de tudo o que não é necessário e cheio de Radiohead. É um álbum que me enche de imensidão, mesmo quando reconheço a minha pequenez; é um álbum maior.
Talvez sejam o meu calcanhar de Aquiles, onde escolho ser frágil, mas os Radiohead, neste álbum trouxeram-me uma perfeição deliciosamente humana. Enquanto procuro um sentido, reconheço que há momentos em que esse sentido maior pode não ser necessário:
Um dia destes quero escrever sobre o último álbum dos Radiohead, A Moon Shaped Pool. Mas hoje quero ficar por uma das suas faixas, na verdade, um tema já antigo. Lindíssimo. Lindíssimo. Sobre as ironias da vida.
I’ll drown my beliefs
To have your babies
True love waits, now in A Moon Shaped Pool, Radiohead
Eu costumo dizer que vivo para momentos como os que degustei na 2ª feira passada, no concerto dos Muse, em Lisboa. Julgo que quase ninguém me leva a sério. Mas é uma afirmação tão verdadeira quanto uma afirmação pode ser.
Há uma intensidade e verdade na arte, e na música em particular, impossível de encontrar em qualquer outra coisa. E é isso que os Muse me dão nos álbuns e é isso que os Muse me dão em concerto.
Já escrevi várias vezes sobre Muse, e umas quantas vezes sobre os seus concertos: aqui e aqui, mas quero escrever novamente. Há coisas que são especiais porque existindo para muitos, existem mais para nós próprios porque nos permitem ultrapassar as fronteiras individuais de possibilidades. E nos concertos dos Muse, às vezes, ultrapasso essas fronteiras ultrajantes. Porque eles me permitem cantar com eles aquilo que está tão preso cá dentro, e durante esses momentos, há algo humanamente transcendente que acontece. Há liberdade.
Por isso, sim, cantei a plenos pulmões, enquanto saltava pulos que pareciam saídos de um mega trampolim, a pensar como impedir que o mundo continue indiferente ao horror da inconsciência:
Love, it will get you nowhere
You're on your own
Lost in the wild
So come to me now
I could use someone like you
Someone who'll kill on my command
And asks no questions
E ironicamente gritei
I’m gonna make you
a fucking psycho
Drones and Psycho, Muse Drones Tour, Lisboa, maio de 2016
mas acabámos, todos, em uníssono, a dizer
No one's gonna take me alive
The time has come to make things right
You and I must fight for our rights
You and I must fight to survive
Knights of Cydonia, Muse Drones Tour, Lisboa, maio de 2016
Há momentos especiais em que se encontra alguém que cria verdades inexoráveis. E estas verdades servem todos os entendimentos. São verdades perfeitas porque são arte que ecoa cá dentro. Benjamin Clementine é o artista que conheci hoje e que me deixou embevecida. Obrigada.
Benjamin Clementine, Cornerstone, in At least for now (2015)
Ouvi Alt-J duas vezes ao vivo antes de perceber que gostava deles. Curiosamente, percebi como aprecio a sua música quando precisei de concentração para trabalhar em algo para o qual, pouco surpreendentemente, não tinha vontade. E encontrei na música de Alt-J uma pureza incomum, um som de uma verdade inicial que ninguém parecia estar a procurar. Mas eu também quero procurar verdades assim.
There is an authenticity
in music that I cannot often find in other fine arts. It is a complete truth
that other people may find in other things, I guess. It is a whole authenticity
that makes me smile, uninterested of the rest of the world. Music gives me an
enlightened contentment that completes me. Music reveals all the intensity I
hunger for, but which I so rarely find.
I do not think I could
keep myself permanently in this elated state of intensity. It would be too
overwhelming. This state gives away and withdraws an energy I do not possess
and cannot conjure. I can only benefit from it in these special moments. These
moments of authenticy, of truth. These moments in which I know there is
something more. Moments in which I recognise there is something that pleases me
in such a full and absolute manner and it frightens me tremendously knowing I
can lose it.
Damien Rice did this to
me today. And how can I ever thank him? The music he writes, undoubtedly not
for me, unaware of me, gives me exactly what I look for. So, I do want to voice
my gratefulness.
Damien, thank you for
writing tunes; for rediscovering yourself into this new album. Thank you for
the authenticity, for all the truth. Thank you for helping me being at the top
of the rabbit’s hair, no longer indifferent to what is more important in life,
to the hunger of searching, to the quest of asking. Thank you for reminding me
that art is so much more important than what I do. Albeit sad, this is so damn
important. It gives me the only hope I can ever achieve without deceiving me.
The only way out I want.
So, yes, I think what I
want to tell you is: thank you for reminding me of my way out.
Damien, Rice, The
greatest bastard, from My Favourite Faded Fantasy, 2014
«Nirvana defined a moment, a movement for the outsiders: for the fags and
the fat girls and the broken toys and the shy nerds and the goth kids from
Tennessee and Kentucky, for the rockers and the awkward, and the fed-up, the
too smart kids and the bullied. We were a community, a generation; in Nirvana’s
case, several generations; in the echo chamber of that collective howl, and
Allen Ginsberg would have been very proud, here.
That movement and that voice reverberated into music and filme, politics,
a worldview, poetry, fashion, art, spiritualism, the beginning of the Internet
and so many fields in so many ways is our lives. This is not just pop music –
this is something much greater than that.» – Michael Stipe
Nirvana, com Annie Clark, Joan Jett, Kim Gordon e Lorde. Introdução de
Michael Stipe