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Apontamentos fugazes 220

Não me apetece escrever um título, apetece-me colocar um smile

«Não acabará pois a obsessão do divino? Tanto rio desaguando no mesmo mar. Tanto problema levando à mesma solução. Mas eu quero que os rios se resolvam uns nos outros, que o Mundo seja nosso, que a Terra seja do homem. A palavra que nos queima a boca é uma palavra humana. As questões dos homens resolvem-se entre os homens.»

Vergílio Ferreira, Estrela Polar, 5ª ed., Quetzal, 2011, p. 63

Apontamentos fugazes 217

Camus em Vergílio

«Ser eu em ti, que um filho nos fosse a nós, que alguém nos existisse, não apenas na memória, mas na força total de sermos – tudo isto é verdade e não tem sentido nenhum. Tudo isto é verdade, porque a solidão é tão estúpida… Alucina-me o absurdo como um labirinto, como ser eu nos outros? Ser irredutível e múltiplo? Mas só assim a solidão deixaria de existir. Que me importa transmitir aos outros que dois e dois são quatro ou mesmo o que se passa no fundo de mim? O que eu queria era ser eles quando estão pensando que dois e dois são quatro. O que eu queria é que eles sentissem o que eu sinto e não o que eles sentem. O que eu queria é que eles fossem eu e eu eles, porque só assim é que a “comunicação” tem sentido. Decerto, tudo isto é absurdo – estou farto de o saber. Mas o mais absurdo é o mais humano….»

Vergílio Ferreira, Estrela Polar, 5ª ed., Quetzal, 2011, p. 34

Apontamentos fugazes 216

Perpetuação

«Ah, se tu soubesses como é preciso que eu esteja em ti, que eu não morra, que eu não morra…»

Vergílio Ferreira, Estrela Polar, 5ª ed., Quetzal, 2011, p. 38

Apontamentos fugazes 183

Excertos de Promessa

«Porque há mais verdade neste momento em que escrevo do que em todo o passado ou futuro.»

«Lembro-me que, às vezes, Sérgio largava, desgarrado, serra fora, sem aviso. De uma vez, lá o fui achar estirado entre penedos, olhando, pasmado, para o céu. (…) Ao ver-me, Sérgio não se perturbou:
– Que está a fazer? – perguntei com estupidez.
– Nada. Estou a sofrer.
(…)
– Então porque sofre?
– Isso é uma pergunta idiota, meu filho. Alguém pergunta porque é que a noite é triste e o sol alegre? Sofrer é tão natural e espontâneo como existir. Só os insuficientes é que procuram uma causa para serem felizes ou infelizes.»

«Por enquanto é livre porque, apesar de tudo, pensa. E só a acção nega a liberdade. Agindo, perde-se. Porque, quando se age, não se pode agir outra coisa.»

«E o interessante é sentir. Só isso dá p gosto de sermos. Sentir dilata o ser aos extremos limites. Diabo! Viver plenamente! A única coisa que temos à mão é a nossa vida. Mas ela própria se esquiva se tentarmos entendê-la como os seus existencialismos verificaram. Vem-nos, todavia, à posse integral se a libertarmos para um sentir máximo. Enfim, tudo isto é falso por estar a dizê-lo. Oxalá não me tenha feito compreender bem.»

«(…) se bem que poetas e filósofos, abraçados, se reclamam da visão última – definitiva – dos factos.»

« Mas que me importam os factos, se tenho as ideias?)»


Vergílio Ferreira, «Promessa», Quetzal, pp.40, 83-84, 85, 101, 119, 166, obra do espólio de VF
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Pensamentos líquidos 108

Vergílio Ferreira, espólio e o primeiro post do ano

Leio Vergílio Ferreira novamente, como que a propósito da edição recente de obras do seu espólio. Como se motivos fossem necessários…
Leio Vergílio novamente e, como sempre, algo muito especial acontece. Tão especial que me culpo das palavras que utilizo para o dizer. Talvez só as dele pudessem dizer o eu quero. E então pareço querer arrancar verdades de mim, aqui, só para as dizer sobre ele.
Ora, a importância das coisas depende do sujeito. As minhas preocupações importantes parecem ter sido já todas pensadas, trabalhadas, resolvidas por V.
Tento escrever, com esta comoção de quem procura verdades e as encontra nas palavras de outrem. Verdades. Procura. Partilha de interesses semelhantes. É isto que V. me dá sem o saber. É nesta ‘arte-verdade’ que V. já tinha pensado, que encontro as respostas que procuro; as perguntas que procuro. São verdades individuais, inexoráveis, com uma força impossível de igualar. Para mim. Compreensão.
Disseram-me, como se eu não soubesse, que esta minha ‘arte-verdade’ é a minha religião. É-o, na perspectiva de ser maior; mas só aí. Em tudo o resto é mais genuína. É uma ‘arte-verdade’ individual, partilhada através da dúvida e por cumplicidade, nunca por dogma. É uma procura, mais do que uma resposta. E ironicamente é humana. O que a torna tão mais notável porque existe sem hipóteses.
Para mim é, talvez, a ‘arte-filosofia’. Porventura por isso nunca compreendi a fotografia como forma de arte. Porque a minha arte é muito mais do que um exercício estético de técnica. E por isso a sua subjectividade.
A obra de arte é tão mais especial quanto mais verdade trouxer. E V. traz-me muita.

Aproveito para parabenizar e agradecer à equipa Vergílio Ferreira pelo trabalho ao longo dos anos e, especialmente, a Fernanda Irene Fonseca e Hélder Godinho pela publicação destas obras do seu espólio. É muito apreciado.

Nos próximos tempos trar-vos-ei excertos de Promessa e de um Diário Inédito.
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Apontamentos fugazes 44

Um texto visceral

Sento-me a estruturar um trabalho para economia pública que pedi à professora para ser sobre “economia da cultura”. A maior parte das pessoas acha esotérico, mas ela, sem preconceitos, aceitou. Eu já sabia que tinha entrado numa bela embrulhada. Mas agora que me sento aqui a tentar escrever sobre o assunto, sei mais.

Alguns economistas que li até dizem coisas interessantes, pelo menos quando deixam a economia ser permeada por outras ciências. Outros, nem tanto. Não conseguem perceber o que está em causa. O Sr. Mas-Colell tem dificuldade em perceber a diferença de uma obra de arte, como “bem”, de um par de sapatos. Não compreende também como é que uma obra original tem um preço tão mais elevado do que uma reprodução. Acha que isso é um problema. Comecei a detectar alguma dificuldade da economia em justificar a diferença que a arte inevitavelmente carrega. E pensei, brilhantemente, que uma ajudinha da filosofia viria que nem ginjas.

Sobre a mesa, os livros de pesquisa são de Vergílio Ferreira e Sartre, as palavras de Heidegger e Duffrenne. Há qualquer coisa mal aqui. E acho que sou eu. Quando dei por mim estava em excitação. Mas não era com o meu trabalho. Era com a filosofia. E com o Vergílio Ferreira. Sempre com o Vergílio Ferreira.

Começo a ter a sensação que mais facilmente me sairia um ensaio filosófico sobre a “arte-verdade” do que uma survey sobre o motivational crowding-out dos artistas

Pensamentos líquidos 16

Alegria breve

«Alegria breve, este meu sabê-lo, esta posse de todo o milagre de eu ser e a deposição disso para o estrume da terra. Sento-me ao sol, aqueço. Estou só, terrivelmente povoado de mim. Valeu a pena viver? Matei a curiosidade, vim ver como isto era, valeu a pena. É engraçada a vida e a morte. Tem a sua piada, oh, se tem. Vim saber como isto era e soube coisas fantásticas. Vi a luz, a terra, os animais. Conheci o meu corpo em que apareci. É curioso um corpo. Tem mãos, pés, nove buracos. Meteram-me nele, nunca mais o pude despir. (…) Movo as mãos, os pés, e é como se fossem meus e não fossem. É extraordinário, fantástico, um corpo. Com ele e nele tomei posse e conhecimento de coisas espantosas. Não seria uma pena não ter nascido? Ficava sem saber. Dirás tu: de que te serve se amanhã já não sabes? É certo. Mas agora sei.»

Vergílio Ferreira, Alegria Breve, Bertrand Ed., pp. 209 e 210

Pensamentos líquidos 14

Sobre as palavras e a... criação

«Então pensei: estarei doido? Que é uma palavra? Que é a fala? Mundo excessivo, mundo deserto, reinventar-te-ei todo desde as origens. Eis que um homem surgiu à tua face. De que serviria um Deus que me tivesse criado? Terei de recriar eu tudo. Terei de dar um nome às pedras e às estrelas. E só então elas serão a desgraça e a beleza.»

Vergílio Ferreira, Alegria Breve, Bertrand Ed., p. 92

Apontamentos fugazes 1


Sobre Deus

«Dizer que uma coisa não existe é pressupor a sua existência para depois precisamente a negar. E é sobretudo admitir a importância disso que se nega. Se não, porque negá-lo?»
Vergílio Ferreira, Invocação ao meu corpo [p. 131]
É por isto que não sou ateia. E todavia. Senti necessidade de o dizer...

Homenagens 1

Liberdade

«Somos livres, como o sabemos na consciente vivência do acto de ser consciente. Somos livres, como o sabemos da possibilidade de se ser e de se saber que se é, da infinita e infinitesimal diferença entre mim e mim, entre ser-se o que se é e o saber-se que se é esse ser, da infinitesimal diferença entre o ser que é o nosso e o ter querido ser esse ser.
(…)
A primeira e a última demonstração de que sou livre está na simples enunciação disso mesmo, na sua problematização, ou seja na sua consciência, ou seja na consciência de mim. Mas de mim a mim a distância é infinita e nenhum raciocínio a pode preencher. Por mais colado a mim que eu me execute, como se executa o bárbaro ou o primitivo, há uma distância de vertigem nessa mínima distância entre o que faço e o saber que o faço E é aí que sou Deus. Aí, nesse subir de mim, nesse criar do nada, perfeitamente absurdo, porque do nada nada se cria – e eu criei.»


Vergílio Ferreira, Invocação ao meu corpo [p. 122 e 130]


[negrito meu]