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Homenagens 74

António Lobo Antunes e os olhos lacrimejantes 

Leio uma entrevista, em jeito de digressão, a António Lobo Antunes. As palavras dele mexem-me sempre nas células, desarranjam-nas. Incomodam-me como o andar à chuva do Alberto Caeiro. E, às vezes, como poucos o conseguem, desarma-me. As palavras dele. Expõem, com crueza, o que anda tão escondido, que ainda não se sabe e já existe. Desta vez, expôs o medo da vida que se esgota antes que o corpo se torne exangue. O medo que já não haja livros para escrever ainda antes de morrer. É um medo imenso. É uma tragédia. E molha-me os olhos com uma tristeza incomensurável. Mas enquanto ele ainda se lembra de dizer
Tenho medo é que isto [a necessidade de escrever livros] acabe antes de eu acabar.
o medo não tem ainda espaço para se materializar. E só interessam as minhas lágrimas felizes de compreensão.

Apontamentos fugazes 238

A arte descobre ou cria?

"Apenas um artista é capaz de adivinhar o sentido da vida", diz Novalis. Eu talvez prefira dizer que, no processo de procura desse sentido, o artista o cria.

Novalis, Fragmentos de Novalis, selecção, tradução e desenhos de Rui Chafes, 
Assírio e Alvim, 2000.

Recomendações 88

Tamino

Já, por várias vezes, referi como adoro a sensação de descobrir um músico novo e de sentir aquele arrebatamento, que precisa de uma repetição que só questiona o seu término. Mas não é fácil encontrar este querer com traços de obsessão e não sentir medo. Medo de o exaurir, medo de descobrir que não é assim tão bom, medo de o perigar com a expectativa. Porém, esse medo é um privilégio. Só o que é especial pode provocar esse medo.
Descobri, incidentalmente, Tamino. Tamino é um jovem – muito jovem – que faz uma música muito antiga. Uma música de um ancião de elevada técnica e sabedoria. Uma música que parece ecoar a partir dos primórdios do tempo. Uma música que faz ressoar verdades imemoriais, naturalmente impossíveis de aceder se Tamino não existisse. 
Tamino vive na Bélgica, filho de mãe belga e pai egípcio, e processa na sua música uma síntese que assusta. Podia dizer-vos que nele ouço reverberar a intensidade do Jeff Buckley, a escuridão do Nick Cave, a elegância de Serge Gainsburg e a paixão árabe. Seria verdade. Mas escolho dizer-vos por que é que a síntese que ele consegue assusta. Assusta porque é improvável tanta maturidade musical em alguém tão jovem. E porque a síntese de componentes aparentemente díspares arrisca a ser um aglomerado disparatado. Mas o que Tamino nos traz, no EPs Tamino e Habibi, é uma síntese coerente. Pode haver ecos do passado, mas é na criação do que é seu que Tamino sobressai.
A criação de Tamino faz sentido. E num mundo que não o tem, a arte é todo o sentido que sabemos criar. Quando sabemos. Ele sabe.
Talvez este seja um post demasiado arrebatado. Mas é justo.


Cigar, Tamino

Apontamentos fugazes 236

E novamente Rui Chafes

que me parece, por vezes, ter já feito todas as reflexões importantes.

19. O artista exprime o instinto espiritual da humanidade, traduz a tensão do homem em direcção ao eterno ou a uma qualquer forma de transcendência. A arte transporta em si uma nostalgia do ideal e exprime sempre a sua procura. (…) O artista, no seu movimento para o Ideal, perturba a estabilidade de uma sociedade. A sociedade aspira à estabilidade, o artista aspira ao infinito. É essa a responsabilidade do artista e o sacrifício espiritual que lhe é exigido: com a sua consciência especial e a sua rigorosa demanda da momentânea verdade absoluta, ele vê as coisas antes dos outros e oferece-as ao Mundo mesmo se, por vezes, possam parecer apenas feridas abertas e vulneráveis. A arte coloca questões e dúvidas, instaura perturbações. Ela é a consciência da memória e da estrutura emocional de um espaço. 

Rui Chafes, Entre o céu e a terra — O perfume das buganvílias, Documenta, 2014.

Apontamentos fugazes 232

E ainda arte. E ainda Rui Chafes.

Quando se prova um chá bom, não se quer voltar a beber qualquer outro. O mesmo acontece com a arte, com a poesia, com a filosofia. É difícil aguentar coisas fraquinhas. 
 
Não se pode levantar o véu de uma obra de arte, deixá-la despida. Como as pessoas não sabem ver, estão sempre à espera de referentes e palavras, para tentarem lá ver o que lhe disserem que «é». 

(…) não há arte sem pensamento, porque sem este é apenas artesanato. (…) a arte, se o é, tem de questionar, inquietar, e perturbar o mundo. Como disse, a arte é para se «ficar mal». 

Rui Chafes, Sob a Pele - conversas com Sara Antónia Matos, Documenta - Cadernos do Atelier-Museu Júlio Pomar, 2015, pp. 71, 144 e 152

Apontamentos fugazes 231

Radical fanatismo de perfeição
Defendo que o artista tem de saber criar um espaço de pureza intransigente para o seu trabalho. A arte, quando é maior do que a vida, assusta. Nesse sentido, os grandes artistas são uns monstros, com o seu radical fanatismo de perfeição (dos sentimentos, das ideias, da execução) completamente separado da «razoabilidade da vida», acima de qualquer hipótese de negociação. As pessoas costumam chamar-lhes loucos, eu não chamo…

Rui Chafes, Sob a Pele - conversas com Sara Antónia Matos, Documenta - Cadernos do Atelier-Museu Júlio Pomar, 2015, p. 62

Arquitetura, artes plásticas e design 17

Fugit Amor, por Auguste Rodin

O eco que uma peça de arte reverbera em cada um de nós é variável e depende da relação genuína que se cria entre nós e a peça. Evidentemente, essa relação depende de um conjunto enorme de fatores, de entre os quais tem de se destacar as características intrínsecas da peça e nossas. Outro factor de destaque é a forma de arte em si, que pode, de algum modo, ser vista como uma das características da peça de arte. 
O impacto de uma peça de arte num indivíduo é uma temática que me interessa sobremaneira, mas hoje não é o dia para dissertar sobre ela. Hoje é dia de falar de um caso específico.
Há algumas semanas atrás, no Museu Rodin, em Paris, voltei a ser assaltada por uma sensação de compreensão tão avassaladora que me trouxe lágrimas às comportas dos olhos. Sou uma fã assumida de Rodin há muitos anos porque há uma intensidade nas suas obras que me comove, que me causa um estremecimento de verdade. Causa-me uma sentimento maior. Um tipo único de sentimento maior que só na arte consigo sentir sem receio de desilusão. 
No percurso da sua casa-museu, aparece cedo uma obra que há muito me cativa, me comove, me enternece e me faz exaltar. Chama-se “Fugit Amor” e, como muitas das suas obras, é parte das Portas do Inferno. Vi uma versão em mármore no Museu Legion of Honor em São Francisco há muitos anos atrás e teve também esse impacto magnífico. Várias outras obras na casa-museu em Paris causaram efeito semelhante, mas Fugit Amor é um bocadinho mais especial. 

Como vos dizia, o impacto de uma peça de arte num indivíduo depende de muitos fatores. Em Fugit Amor eu vejo perfeição técnica, mas vejo muito mais, vejo a qualidade efémera de um sentimento que nunca poderá ser permanente, a não ser que seja congelado na morte. Em Fugit Amor eu vejo a impossibilidade de um amor eterno e, no entanto, vejo a intensidade e a dor da sua ausência. Sim, sei que não é essa a história por detrás da sua criação para as Portas do Inferno. Mas é assim que a sinto. E isso é tudo porque em Fugit Amor vejo-me a mim.

Apontamentos fugazes 229

Escrever

Sei que já o repeti mais do que o razoável, mas há qualquer coisa de único quando se escreve. Há um estrépito de tambores decisivos. Que preparam a chegada de algo mais verdadeiro. Da essência que, no momento, se perpetua para sempre. 
E há dias especiais em que, em êxtase, se escreve assim. Há dias em que, em catarse, me escrevo assim. Dias como o de hoje.

Recomendações 77

Festa do cinema francês

Podem consultar o cartaz aqui

Apontamentos fugazes 222

As palavras de todas as explicações

Espero, em utopia, encontrar as palavras de todas as explicações. Como Stephen Hawking procurava encontrar uma equação elegante que tudo explicasse; eu procuro um texto que tudo compreenda, que tudo me explique. Mas independentemente da quantidade lexical, não há semântica que o consiga abarcar.

Homenagens 70

Damien Rice

There is an authenticity in music that I cannot often find in other fine arts. It is a complete truth that other people may find in other things, I guess. It is a whole authenticity that makes me smile, uninterested of the rest of the world. Music gives me an enlightened contentment that completes me. Music reveals all the intensity I hunger for, but which I so rarely find.
I do not think I could keep myself permanently in this elated state of intensity. It would be too overwhelming. This state gives away and withdraws an energy I do not possess and cannot conjure. I can only benefit from it in these special moments. These moments of authenticy, of truth. These moments in which I know there is something more. Moments in which I recognise there is something that pleases me in such a full and absolute manner and it frightens me tremendously knowing I can lose it.
Damien Rice did this to me today. And how can I ever thank him? The music he writes, undoubtedly not for me, unaware of me, gives me exactly what I look for. So, I do want to voice my gratefulness.
Damien, thank you for writing tunes; for rediscovering yourself into this new album. Thank you for the authenticity, for all the truth. Thank you for helping me being at the top of the rabbit’s hair, no longer indifferent to what is more important in life, to the hunger of searching, to the quest of asking. Thank you for reminding me that art is so much more important than what I do. Albeit sad, this is so damn important. It gives me the only hope I can ever achieve without deceiving me. The only way out I want.
So, yes, I think what I want to tell you is: thank you for reminding me of my way out.


Damien, Rice, The greatest bastard, from My Favourite Faded Fantasy, 2014

Pensamentos líquidos 113


Externalidades: positivas, negativas e como os músicos ficam sempre a perder

Tenho trabalhado mais horas do que as que consigo lembrar. Os dias passam mais ou menos difusos entre prazos e prazos e tarefas e tarefas. É uma indiferença triste dos dias. Mas há pequenas certezas que me confortam: como a música que posso ouvir ou os livros que posso ler, ainda que ultimamente tudo consumido em pequenas doses, por falta de tempo e por falta de disponibilidade mental. E isto aborrece-me.
Sempre que preciso de trabalhar arduamente e a inspiração e vontade são poucas, recorro ao meu instrumento de concentração e motivação: a música. E tenho recorrido tanto a este apoio, que tenho a sensação que o começo a esgotar. E isto aborrece-me bastante.
Ora, durante o último fim-de-semana, outro fim-de-semana de trabalho, em que inevitavelmente recorri, como uma desesperada, à música para trabalhar, relembrei a teoria das externalidades positivas da música sobre a produtividade no trabalho (ver também aqui). Mas percebi que a teoria é muito parcial. Sim, o facto de a música me permitir trabalhar mais e ser mais produtiva é uma externalidade positiva que, naturalmente, o meu empregador não paga. Mas há outro facto: ao ter que recorrer à música para trabalhar, estou a associar o trabalho e, em particular, o trabalho difícil e em condições problemáticas e que me causa angústia com a música que ouço. E isto cria externalidades novamente, mas agora negativas e entre outros agentes: por associar a música que gosto com o trabalho excessivo, posso estar a diminuir o meu gosto pela música. Ora, se o fenómeno for significativo, eu posso deixar de comprar música porque no meu processo de conhecimento dessa música – a que me permitiu ser mais produtiva – posso contaminá-la com os sentimentos relacionados com o trabalho. Em suma, não só os músicos causam externalidades positivas pelo aumento de produtividade, externalidades essas pelas quais não são pagos; como podem ter menos vendas porque a música que produzem fica associada ao trabalho, particularmente o trabalho em condições difíceis. E isto não me aborrece só. Isto irrita-me profundamente.
Eu posso perdoar algumas coisas. Os dias longos, as noites, os fins-de-semana a trabalhar. É difícil suportar o cansaço. Mas eu vou aguentando. Mas se alguém me estraga a audição do novo álbum dos Muse, eu não perdoo. E não estou a dizer isto só porque o álbum parece, às vezes, duvidoso.

Recomendações 55

Les chansons d’amour – Christophe Honoré

"Aime moi moins, mais aime moi longtemps."



Louis Garrel – Ma mémoire sale

Recomendações 53

In the mood for love – Wong Kar Wai

Recomendações 45

Ágora

Um filme muito interessante de um realizador de quem gosto.


Hypatia: “You cannot question what you believe. I must”.



Ágora de Alejandro Amenábar, trailer
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Trivialidades 212

Avulsos

Peter Gabriel faz “recriações” de músicos notáveis

O que eu dava por um Chagallzito

Exposição “É proibido proibir” no MUDE
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Apontamentos fugazes 157

Perfeição

Tenho uma obsessão com a perfeição. É uma obsessão que me faz mal. Mas é em momentos destes em que ponho Antony and the Johnsons a tocar, ouço o The crying light, que sei. Sei que não estou sozinha nesta obsessão e sei que a perfeição existe. E a perfeição é… perfeita. E a sua ironia é existir. E o seu riso de escárnio é existir fora de mim. E ainda assim. É tão perfeita que me traz lágrimas de felicidade.
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Apontamentos fugazes 148

Coisas que me falam

Hoje tive oportunidade de ver uma exposição de Kandinsky. Notável. Mas não me conseguiu provocar qualquer emoção. Depois pude ver uma exposição de Modigliani e, apesar de eu não ser a maior apreciadora de retratos, eles falaram comigo. E subitamente um quadrinho pequenino, no meio de salas enormes de museus ideais. Um quadrinho que falou logo, logo comigo. Era Tanguy. Conversámos durante horas nos minutos que estive lá.
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