Externalidades: positivas, negativas e como os músicos ficam sempre a perder
Tenho trabalhado mais horas do que as que consigo lembrar. Os dias passam
mais ou menos difusos entre prazos e prazos e tarefas e tarefas. É uma
indiferença triste dos dias. Mas há pequenas certezas que me confortam: como a
música que posso ouvir ou os livros que posso ler, ainda que ultimamente tudo
consumido em pequenas doses, por falta de tempo e por falta de disponibilidade
mental. E isto aborrece-me.
Sempre que preciso de trabalhar arduamente e a inspiração e vontade são
poucas, recorro ao meu instrumento de concentração e motivação: a música. E
tenho recorrido tanto a este apoio, que tenho a sensação que o começo a
esgotar. E isto aborrece-me bastante.
Ora, durante o último fim-de-semana, outro fim-de-semana de trabalho, em
que inevitavelmente recorri, como uma desesperada, à música para trabalhar,
relembrei a teoria das externalidades positivas da música sobre a produtividade
no trabalho (ver também aqui). Mas percebi que a teoria é muito parcial. Sim, o
facto de a música me permitir trabalhar mais e ser mais produtiva é uma
externalidade positiva que, naturalmente, o meu empregador não paga. Mas há
outro facto: ao ter que recorrer à música para trabalhar, estou a associar o
trabalho e, em particular, o trabalho difícil e em condições problemáticas e
que me causa angústia com a música que ouço. E isto cria externalidades
novamente, mas agora negativas e entre outros agentes: por associar a música que
gosto com o trabalho excessivo, posso estar a diminuir o meu gosto pela música.
Ora, se o fenómeno for significativo, eu posso deixar de comprar música porque
no meu processo de conhecimento dessa música – a que me permitiu ser mais
produtiva – posso contaminá-la com os sentimentos relacionados com o trabalho. Em
suma, não só os músicos causam externalidades positivas pelo aumento de
produtividade, externalidades essas pelas quais não são pagos; como podem ter
menos vendas porque a música que produzem fica associada ao trabalho,
particularmente o trabalho em condições difíceis. E isto não me aborrece só. Isto
irrita-me profundamente.
Eu posso perdoar algumas coisas. Os dias longos, as noites, os fins-de-semana
a trabalhar. É difícil suportar o cansaço. Mas eu vou aguentando. Mas se alguém
me estraga a audição do novo álbum dos Muse, eu não perdoo. E não estou a dizer
isto só porque o álbum parece, às vezes, duvidoso.
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