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Apontamentos fugazes 242

Gilgamesh

Como posso eu ficar silencioso, como posso descansar, quando Enkidu, que eu amei, se tornou pó, e também eu morrerei e me deitarei na terra?

Gilgamesh, tr. do inglês de Pedro Tamen, (Lisboa, Vega, 1999), p. 56

Apontamentos fugazes 241

Moral

Estou farta que me digam que tenho razão. Quero que ajam de acordo com essa razão. Mas não posso esperar esse dia. Não quero criar expectativas irrealistas.

Apontamentos fugazes 240

Comunicação

E não é que Nietzsche já tinha pensado a pirâmide da compatibilidade, expressa em termos de comunicação?

Pressupondo que, desde sempre, a necessidade apenas aproximou aqueles homens que, servindo-se de sinais semelhantes, podiam indicar necessidades semelhantes e experiências semelhantes, resulta daí, em geral, que a fácil comunicabilidade da necessidade (…) deve ter sido a coisa mais poderosa entre todas as que, até ao presente, dominaram o homem. Os homens mais parecidos e mais vulgares estiveram e estão sempre em vantagem; os mais selectos, mais delicados, mais raros, mais difíceis de compreender permanecem facilmente sós, sucumbem, com o seu isolamento, aos acidentes e reproduzem-se pouco. Devemos invocar forças contrárias monstruosas para entravar este processo natural, demasiado natural (…) o avanço do homem no sentido do semelhante, do comum, do mediano, do gregário — do vulgar!

Friedrich Nietzsche, Para além do Bem e do Mal
tr. e notas Carlos Morujão, (Lisboa, Relógio d’Água, 1999), § 268

Apontamentos fugazes 239

Broken pieces

We’re all a bit broken. The question is whether we want broken pieces of others mending our dented and hollow spirits.

Apontamentos fugazes 238

A arte descobre ou cria?

"Apenas um artista é capaz de adivinhar o sentido da vida", diz Novalis. Eu talvez prefira dizer que, no processo de procura desse sentido, o artista o cria.

Novalis, Fragmentos de Novalis, selecção, tradução e desenhos de Rui Chafes, 
Assírio e Alvim, 2000.

Apontamentos fugazes 237

Vulnerabilidades
— E tu? — perguntou o anjo, e voltei a reconhecer a sua voz severa e muito distante, — nunca quiseste morrer? Porque é que pensas nisso? 
— Penso apenas que nos resta sempre essa saída! 
— Dás assim tão pouco valor à morte? Serve apenas para fugires de ti própria? 
— Não para fugir de mim, para escapar à vida. A vida dói-me. Até um estranho me pode fazer mal. Um obstáculo tão pequeno pode precipitar-me na queda. 
Annemarie Schwarzenbach, Morte na Pérsia, Tinta da China, 2008, p. 130

Apontamentos fugazes 236

E novamente Rui Chafes

que me parece, por vezes, ter já feito todas as reflexões importantes.

19. O artista exprime o instinto espiritual da humanidade, traduz a tensão do homem em direcção ao eterno ou a uma qualquer forma de transcendência. A arte transporta em si uma nostalgia do ideal e exprime sempre a sua procura. (…) O artista, no seu movimento para o Ideal, perturba a estabilidade de uma sociedade. A sociedade aspira à estabilidade, o artista aspira ao infinito. É essa a responsabilidade do artista e o sacrifício espiritual que lhe é exigido: com a sua consciência especial e a sua rigorosa demanda da momentânea verdade absoluta, ele vê as coisas antes dos outros e oferece-as ao Mundo mesmo se, por vezes, possam parecer apenas feridas abertas e vulneráveis. A arte coloca questões e dúvidas, instaura perturbações. Ela é a consciência da memória e da estrutura emocional de um espaço. 

Rui Chafes, Entre o céu e a terra — O perfume das buganvílias, Documenta, 2014.

Apontamentos fugazes 235

Inconsistências

A vida coloca-se à frente da Vida.

Apontamentos fugazes 234

Reprodução

Nem todas as coisas aspiram a isso, mas tens razão Aristóteles, essa é a maneira mais comum de aspirar ao eterno e ao divino. Só que nós, nós temos a arte.
É que essa é a função mais natural, para os seres vivos perfeitos — os não mutilados, nem de geração espontânea —, produzir um outro da mesma qualidade da sua: o animal, um animal; a planta, uma planta. Isto para que possam participar do eterno e do divino do modo que for possível; todas as coisas aspiram a isso, e tudo quanto fazem de acordo com a natureza, fazem tendo em vista isso.  
Aristóteles, Sobre a Alma, tr. Ana Maria Lóio, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2010, 415a, 25 a 415b

Apontamentos fugazes 233

Vislumbres de realidade

Wangel (observando-a): Ora pensa lá um bocado, querida. Ou… se calhar já não consegues lembrar-te de como ele era, quando esteve contigo no Bratthamer?
Ellida (reflectindo, fecha os olhos um instante): Não, muito nitidamente não consigo. Hoje não consigo. Não é estranho?
Wangel: Não, não é assim tão estranho. Apareceu-te à frente uma nova imagem, feita a partir da realidade. E esta imagem eclipsa a imagem antiga que tinhas, e por isso deixas de a poder ver.
Ellida: Achas, Wangel?
Wangel: Acho, e acho que também afasta as tuas fantasias doentias. Por isso, é bom que a realidade tenha aparecido.
Ellida: Bom! Dizes que é bom?
Wangel: Sim. Teres visto a realidade… pode bem ser a tua cura. 

Henrik Ibsen, A dama do mar em Peças Escolhidas - vol 2, Cotovia, 2008, 4º Acto, p. 194.

Apontamentos fugazes 232

E ainda arte. E ainda Rui Chafes.

Quando se prova um chá bom, não se quer voltar a beber qualquer outro. O mesmo acontece com a arte, com a poesia, com a filosofia. É difícil aguentar coisas fraquinhas. 
 
Não se pode levantar o véu de uma obra de arte, deixá-la despida. Como as pessoas não sabem ver, estão sempre à espera de referentes e palavras, para tentarem lá ver o que lhe disserem que «é». 

(…) não há arte sem pensamento, porque sem este é apenas artesanato. (…) a arte, se o é, tem de questionar, inquietar, e perturbar o mundo. Como disse, a arte é para se «ficar mal». 

Rui Chafes, Sob a Pele - conversas com Sara Antónia Matos, Documenta - Cadernos do Atelier-Museu Júlio Pomar, 2015, pp. 71, 144 e 152

Apontamentos fugazes 231

Radical fanatismo de perfeição
Defendo que o artista tem de saber criar um espaço de pureza intransigente para o seu trabalho. A arte, quando é maior do que a vida, assusta. Nesse sentido, os grandes artistas são uns monstros, com o seu radical fanatismo de perfeição (dos sentimentos, das ideias, da execução) completamente separado da «razoabilidade da vida», acima de qualquer hipótese de negociação. As pessoas costumam chamar-lhes loucos, eu não chamo…

Rui Chafes, Sob a Pele - conversas com Sara Antónia Matos, Documenta - Cadernos do Atelier-Museu Júlio Pomar, 2015, p. 62

Apontamentos fugazes 230

A permanência

A peste, é preciso dizê-lo, tirara a todos o poder do amor e até o da amizade. Porque o amor exige um pouco de futuro e, para nós, já não havia senão instantes. 

Albert Camus, A Peste, 1ª ed., Livros do Brasil, 2016, p. 156

Apontamentos fugazes 229

Escrever

Sei que já o repeti mais do que o razoável, mas há qualquer coisa de único quando se escreve. Há um estrépito de tambores decisivos. Que preparam a chegada de algo mais verdadeiro. Da essência que, no momento, se perpetua para sempre. 
E há dias especiais em que, em êxtase, se escreve assim. Há dias em que, em catarse, me escrevo assim. Dias como o de hoje.

Apontamentos fugazes 228

Tríade de obsessões

Verdade(s) – Justiça – Perfeição 

Apontamentos fugazes 227

Atopias 

Todos me dizem para ser menos exigente. Como se a minha salvação dependesse disso. Mas a minha exigência é uma necessidade primária. A minha exigência não é uma exigência sequer. É uma característica atópica. Tudo o que aceite abaixo do nível de exigência causa-me alergias e precisa de ser rapidamente terminado. A minha salvação é encontrar o improvável acima do nível de exigência e acreditar que não tenha predisposições atópicas à minha constituição.

Apontamentos fugazes 226

Equívocos

Qual seria a vossa reação se passassem pela minha secretária no trabalho e lessem “Cigarettes after sex”, a banda que eu ouvia antes de me ausentar?

Apontamentos fugazes 225

Escrever

Se começasse a escrever um texto. Mesmo desses de fingimento. Um daqueles de desinteresse. E conseguisse escrever um texto, indecente de tão bom. Se fizesse isso, talvez acreditasse em mim. Mas as palavras estão tão desorganizadas, no movimento da vida que me encarrego viver. Ah, se escrevesse um desses textos, que me fazem lacrimejar de intensidade, de autenticidade, de verdades. Se escrevesse um desses textos e pudesse acreditar em mim. 

Mas descreditei-me. E só espero o que não posso ser.

Apontamentos fugazes 224

Your voice entering my ears feels so enthralling. The words you wrote and that you sing are so deep inside me now. I am having sex with your voice. 

Apontamentos fugazes 223

Ecos

«A vida era uma corrida constante, cheia de deveres. Todas as relações eram difíceis, forçadas. Não tinha – ou julgava não ter – um momento para retomar o fôlego; nunca um instante em que não me sentisse culpado por alguma coisa que devia ter feito. Quando me levantava de manhã parecia-me ter o fardo do mundo às costas. (…)
A depressão transforma-se num direito, quando olhamos à nossa volta e não vemos nada nem ninguém que nos inspire, quando o mundo parece resvalar para um pântano de inépcia e de tacanhez materialista. (…)
A política, mais do que qualquer outro sector da sociedade, está entregue aos medíocres, (…) Hoje, para a maioria, democracia significa ir, de quatro em quatro ou de cinco em cinco anos, pôr uma cruz num bocado de papel e eleger alguém que, justamente por ter de agradar a muitos, tem necessariamente de ser mediano, medíocre e banal como são sempre todas as maiorias. Se alguma vez existisse uma pessoa excepcional, alguém com ideias fora do comum, com um projecto que não fosse apenas o de convencer toda a gente com promessas de felicidade, essa pessoa nunca seria eleita. Jamais teria o voto da maioria.»

Tiziano Terzani, Disse-me um adivinho, 2ª ed., Tinta-da-china, 2010, pp. 359 e 360