Apontamentos fugazes 237

Vulnerabilidades
— E tu? — perguntou o anjo, e voltei a reconhecer a sua voz severa e muito distante, — nunca quiseste morrer? Porque é que pensas nisso? 
— Penso apenas que nos resta sempre essa saída! 
— Dás assim tão pouco valor à morte? Serve apenas para fugires de ti própria? 
— Não para fugir de mim, para escapar à vida. A vida dói-me. Até um estranho me pode fazer mal. Um obstáculo tão pequeno pode precipitar-me na queda. 
Annemarie Schwarzenbach, Morte na Pérsia, Tinta da China, 2008, p. 130

Apontamentos fugazes 236

E novamente Rui Chafes

que me parece, por vezes, ter já feito todas as reflexões importantes.

19. O artista exprime o instinto espiritual da humanidade, traduz a tensão do homem em direcção ao eterno ou a uma qualquer forma de transcendência. A arte transporta em si uma nostalgia do ideal e exprime sempre a sua procura. (…) O artista, no seu movimento para o Ideal, perturba a estabilidade de uma sociedade. A sociedade aspira à estabilidade, o artista aspira ao infinito. É essa a responsabilidade do artista e o sacrifício espiritual que lhe é exigido: com a sua consciência especial e a sua rigorosa demanda da momentânea verdade absoluta, ele vê as coisas antes dos outros e oferece-as ao Mundo mesmo se, por vezes, possam parecer apenas feridas abertas e vulneráveis. A arte coloca questões e dúvidas, instaura perturbações. Ela é a consciência da memória e da estrutura emocional de um espaço. 

Rui Chafes, Entre o céu e a terra — O perfume das buganvílias, Documenta, 2014.