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Pensamentos líquidos 123

III. The Olympics: Rio 2016, the gold

Let me wrap up with a last post on the Olympics. And this post is a homage to a few athletes. So many more would deserve the highlight, but let me choose a few, from my biased viewpoint.
Michael Phelps. He is an outstanding swimmer and his comeback was out of this world. He was not as dominant as he once was, but he proved himself so brilliantly. 28 Olympic medals mean something terrific. For someone like me, who loves swimming, it is a pleasure to be able to witness his career.
Katinka Hosszu. She transformed herself into a magnificent swimmer. Yes, Katie Ledecky smashed world records and she is an amazing crawler. But Katinka swims medleys, which means she is more versatile. I do not want to discuss the effect of her partner and coach on her achievements, but since they started this type of arrangement, her marks improved immensely.
Simone Biles. How wonderful is she? The difficulty level of her routines is out of this world and she masters what she does. She might have had a slip on the balance beam (to me, the most amazing of her routines and, before her, I did not even like the beam), but her performance was superb nonetheless.
Oksana Chusovitina. She is 41 years old and she still made it to the vault’s final. That made me happy. I hope she does not get any injuries and continues challenging the ageing odds.
Mo Farah. I like him very much. Not only is he a magnificent athlete, he is, from what I hear, such a decent man. And his victory at the 10 000m, after the fall, has to bring a happy tear to one’s eyes.
Usain Bolt. He is probably the greatest sprinter of all times and it is a joy to watch him run.
I know there were other great achievements I am not mentioning. I am not minimising their worth, but I cannot keep on writing for days… and days and days…
 ...

And days...

Pensamentos líquidos 122

II. The Olympics: Rio 2016, the ugly side

We have all heard about the Olympics’ curse: countries invest millions in infrastructures that later down the years are rubbish in ghost areas. Despite the theories of creative destruction, my take is that this is not intertemporally beneficial for the countries that organise the Olympics. But I do think it could be different. I fear it may not be different in Brazil, though. But I hope I am wrong.
Nevertheless, I would like to focus this post on what I disliked about this Olympics and that goes beyond the tardiness in the preparations and the unfortunate Olympics curse. The two sides of ugly: some spectators and a few athletes.
First, I want to talk about the spectators. I loathed the behaviour of some spectators.
For those spectators that booed athletes, that were noisy when silence was paramount, that misbehaved when others were trying to perform at the highest level, after years and years of effort and sacrifice, let me tell you bluntly: it is NOT ok! And do not disguise that foul behaviour in cultural clothes. It is simply not ok!
Do you know how it is to get up at 5 in the morning to do your first workout in the early morning, to then attend classes, to be in pain for months in a row because your muscles are torn with stress injuries, to undergo surgeries because those stress injuries took the best out of you, and to come back, with a lot of pain and sacrifice, and to do gym work in the afternoon and to study when you get home because, after all, you’re also a student, or a working woman or man? Do you know? Do you even care? Do you have any idea of the pain these athletes go through? Do you have any idea of the effort they have to put in to be competitive? Yes, the most famous get quite some money out of it, but most of them are not famous, most of them need to work on alternative careers for when their sports career is over. Do you have any idea? No, you just seem to think it is ok to mock their effort. So, this means nothing to you, I’m sure, but I have no respect for you as spectators and that undignified behaviour is something people will remember Rio 2016 for. I hope you are happy about that.
Second, I want to talk about a few athletes. Unfortunately, some sportsmen behaved equally bad. I fully understand the need to unwind after so much pressure, but some things are just not ok. And violence is not ok. From vandalism to attempted rapes: you should be better than that. Of course, athletes can also be bad people, and some are. Again, it is NOT ok! And again, you deserve no respect for those actions.

Pensamentos líquidos 121

I. The Olympics and why I love them


I love the Olympics. I love the Olympics because of what they represent: the chance for individuals to surpass their human fragilities and limits. 
It is just sports, do not think I see it differently. But in each of those individuals - those athletes - you have on person, one human, who wants to do more than what should be physically feasible. And they manage, they surpass themselves in ways one can only conceive. And that is as good as it gets for us mortals out here. The sense of surpassing our awfully human limits.
There are other great things at the Olympics: the camaraderie, the breaking of social and cultural barriers, the acceptance of the link that unites us all: humanity, no matter skin colour, no matter religion, no matter other beliefs. But, for me, there is something too special in having individuals surpassing themselves, individuals surpassing the greatest of all times, carving their names on history books, setting themselves apart, being recognised after putting so much effort and perseverance into one thing.
Yes, this is why I love the Olympics: athletes there transcend their human characteristics to elevate themselves to immortal achievers.

Pensamentos líquidos 120

A crueldade dos seres II - a cobardia de alguns

Os recentes ataques reivindicados pelo DAESH, pelo Boko Haram e por outros grupos bélicos jihadistas, em várias partes do globo, voltaram a mostrar o mais puro desrespeito pela vida humana. 
No dia 20 de setembro, um conjunto de ataques no nordeste da Nigéria, em Maiduguri e em Monguno, causou a morte de 145 pessoas e feriu cerca de 120. Os atacantes fizeram explodir várias bombas, numa mesquita, num mercado, num centro desportivo e num check point. As pessoas, que viviam a sua vida pacificamente, foram brutalmente assassinadas e feridas.
No dia 12 de novembro, num ataque devastador em Beirute, 43 pessoas morreram e cerca de duas centenas ficaram feridas. Estas pessoas estavam perto de uma mesquita e de uma padaria. E foram brutalmente assassinadas e feridas. 
No dia 13 de novembro, noutro ataque devastador, em Paris, assassinaram 130 pessoas e feriram mais de 350. Todos os locais de ataque foram locais de lazer. E eu posso estar completamente enganada, mas eu considero que isso foi propositado, considero que foi um atentado a uma forma de vida. Também posso estar enganada, mas também me parece que o ataque perto do Stade de France tinha como objetivo fazer muitas vítimas. Novamente, as pessoas foram brutalmente assassinadas e feridas.
No dia 21 de novembro, um grupo armado fez refém dezenas de pessoas num hotel em Bamako, no Mali, acabando por matar 20 pessoas. Parece haver muitas questões ainda por responder, mas também aqui estas pessoas foram brutalmente assassinadas.
No dia 25 de novembro, houve um ataque à guarda presidencial tunisina, em Túnis, na Tunísia. Morreram 12 pessoas, num ataque também reivindicado pelo DAESH. E a conclusão não difere: estas pessoas foram brutalmente assassinadas.
Eu gostava de dissertar sobre várias facetas deste movimentos mas, por hoje, quero centrar-me apenas na crueldade, na violência. Em qualquer destes casos, morreram pessoas. Pessoas cujas vidas poderiam ser mais longas foram privadas de tempo que era delas. Pessoas que foram assassinadas. Eu poderia escrever inocentes que foram assassinados. E estaria certa. Como é que alguém, que tenha um resquício de respeito pelo valor da vida humana, pode achar que pode privar outrem do seu tempo de vida?

É a crueldade derradeira. E é indesculpável.

Pensamentos líquidos 119

A crueldade dos seres I - A coragem de alguns 

Sinto-me culpada sempre que há algo que merece a minha atenção e não lhe dispenso as linhas necessárias. Mas, muitas vezes, não consigo reconciliar-me com a crueldade que vemos, com a pluralidade de lutas que temos que lutar. E escondo-me, minimizo-me sem lutar, sem escolher algumas das lutas que me são mais próximas. Mas não o faço sem me recriminar…
Desde a última vez que vos escrevi, a propósito da greve de fome de Luaty Beirão, que tenho sido pejada de culpa por não fazer mais. Desde esse dia, aconteceram tantas coisas. Foi tanta a crueldade que prevaleceu. E eu devia fazer mais.
O julgamento dos ativistas angolanos, acusados de atos preparatórios a uma rebelião e de atentado contra José Eduardo dos Santos, começou no dia 16 de novembro. Um dos atos terríveis que alegadamente cometeram foi discutir o livro “Ferramentas para destruir o ditador e evitar nova ditadura — Filosofia Política da Libertação para Angola” de Domingos da Cruz, baseado no livro de Gene Sharp “From Dictatorship to Democracy, a conceptual framework for liberation”. Aliás, houve uma leitura pública do livro em Lisboa, no dia em que o julgamento começou, que quero aplaudir. Um livro crítico é uma coisa perigosíssima para um ditador. Porque, para um ditador, o conhecimento é terrível; equipa o povo com uma arma imensa de luta: a razão crítica. E os ditadores não se dão muito bem com a razão ou com a crítica… 
Para além do acusação ser ridícula, no pressuposto de alguma liberdade de expressão e num estado de direito (bem sei, bem sei, pouco estados são verdadeiramente estados de direito), os advogados de defesa não terão tido acesso aos processos e, com o atrasar das audições, chegou a temer-se não haver decisão antes das férias judiciais. Espero que os desenvolvimentos a relatar, no futuro, sobre o julgamento não envergonhem ninguém que defenda os direitos e as liberdades individuais. 
E espero que o mundo se mantenha atento ao que se passa em Angola. Como já disse antes, o mundo não tem o direito de os desiludir.

Pensamentos líquidos 118

Carta aberta a Luaty Beirão


Luaty, Henrique, Ikonoklasta,

Não sei como te chamar. Espero que não te desagrade que eu tente várias opções. É importante para mim poder chamar-te aquilo que gostas que te chamem.

Não nos conhecemos, por isso espero que não sintas que estou a invadir a tua intimidade ao escrever-te uma carta aberta. Achei fundamentar fazê-lo. Ao contrário de ti, não sou destemida para me colocar em perigo por uma causa. Mas tento utilizar a palavra como a arma mais forte que tenho. E gostava muito que pudesses ler estas palavras; gostava muito que estas palavras ecoassem nos planos políticos e reverberassem o suficiente para ajudar na mudança para a qual estás a contribuir.

Só posso imaginar a debilidade, a dor, que não comer te traz e o sacrifício que fazes para lutar. Mas, nessa debilidade física, todos vemos a tua força. E, por isso, peço-te, mesmo não tendo o direito de o fazer. Não deixes que te matem. A tua vida importa tanto e a tua morte deixaria um vazio infindável. A tua morte não traria a mudança que queres. Porque a tua força só pode continuar se estiveres vivo.

Por isso, vive. Vive. Por favor, vive. Porque somos nós quem te deve a ajuda possível na luta que travas. Mas não te podemos substituir na luta. Conseguiste, com essa privação imensa que passas, trazer os abusos do regime do Presidente José Eduardo dos Santos às televisões. Conseguiste que não nos esquecêssemos do que acontece em Angola; conseguiste que a imprensa, que se interessa por um tema pouco mais do que uma criança se interessa por um brinquedo antigo quando recebeu de presente um brinquedo novo, não ignorasse o que se passa em Angola. Conseguiste que discutissem novamente como uma democracia não é uma democracia só porque se chama assim. Conseguiste fazer-nos lembrar que uma democracia requer que a pluralidade de opiniões possa ser dita. Mesmo quando as Constituições o esquecem. 

Conseguiste lembrar-nos que o esforço também traz recompensa e que interessa lutar, mesmo quando o preço é demasiado alto. Conseguiste tanto. Conseguiste tanto. Mas é tempo de deixares que também lutem por ti. Só podes conseguir mais se te fortaleceres fisicamente. Bem sei, bem sei, que isso desinteressaria a maior parte daqueles que agora se interessam, daqueles que agora fingem interessar-se. Mas é tempo que outros lutem por ti. 

Sim, não tenho direito de te pedir coisa alguma. Não tenho direito, do conforto da minha casa, do conforto da distância ao regime, do conforto de quem pode escrever e manifestar-se, de te pedir coisa alguma. E, ainda assim. Peço-te: não deixes que te matem. A tua vida vale tanto. Deixa que agora outros lutem por ti, lutem contigo, lutem convosco. Porque também sei que não estás só. 

Não temos o direito de te desiludir. 

Sei que é incipiente. Sei que é nada. Mas vou tentar utilizar as minhas palavras para te ajudar.

Fica saudável.


Rita


Se quiserem assinar a petição da Amnistia Internacional - Portugal para a libertação dos prisioneiros políticos em Angola, podem fazê-lo aqui.

Pensamentos líquidos 117

A angústia da escolha que é só aparente

Hoje é dia de eleições legislativas. Hoje, como nas outras eleições, votei, no exercício consciente do meu direito de voto. Do que vejo também como o meu dever de voto. 

Hoje, à semelhança do que aconteceu nas últimas vezes em que votei, senti-me mais minoria do que a minoria reconhecida. E durante o meu regresso a casa, após colocar o meu voto na urna, senti uma angústia terrível. Uma angústia de quem sabe que qualquer voto que faça não será fiel àquilo que defende. Uma angústia de quem sabe não ter votado bem. Uma angústia de quem não sabia votar melhor. A angústia obsidiante de saber que não existe um partido no qual se reveja, nem no mínimo exigível. 

Há os partidos, talvez mais realistas, mas com os quais tenho diferenças ideológicas fraturantes e nos quais não posso, nem quero, votar. Há os partidos bem intencionados, mas completamente distanciados da realidade. Há os partidos utópicos. E há os partidos que nem sabem bem o que defendem. E eu tive que votar num partido sem concordar com todos os seus princípios básicos. E isto, como cidadã, deixa-me destroçada. 

Sempre me reconheci como uma minoria. Durante muito tempo achei que por ter características e defender princípios que não são os da maioria dos portugueses, mas que seriam mais próximos das características de outros países. Estou cada vez menos certa disso. Mas as minhas características minoritárias estão a ficar de tal modo solitárias que se torna impossível fazer uma escolha política em Portugal. E não sei se quero aceitar uma das duas soluções que vejo: a primeira, entrar no mundo da política, que me desagrada e que receio me destrua; ou, a segunda, ir viver para um país escandinavo. A solução de compromisso seria começar um movimento cívico realista, consciente, humanista e íntegro. Mas não sei quanto energia terei para tal, sabendo, desde logo, que devo ser uma minoria ainda mais solitária do que julgava.

De qualquer modo, aqui fica: em termos globais, defendo princípios de uma sociedade solidária, cujos direitos humanos e cívicos nunca possam ser postos em causa, com direito de acesso à saúde, à educação e à justiça, mas com a responsabilidade pública e social de assegurar que as gerações atuais e futuras não ficam sobre-oneradas com os gastos públicos sobre-dimensionados, nem com a destruição do planeta; dentro do projeto da União Europeia que se quer melhor, mas que se sabe benéfico. Há alguém que se reveja nestes princípios fundamentais?

Mas sim… também existe a hipótese, não negligenciável, de eu não ser uma minoria tão pouco significativa. E de haver um hiato demasiado grande entre políticos e sociedade civil. Na verdade, não nego que considero que este é também um fator muito significativo nesta minha sensação de desfasamento com o poder político. De facto, em média, o trabalhador português que conheço é de melhor qualidade do que o político português que conheço…

Pois. Hoje é um dia de democracia. Mas o que sinto hoje é a frustração de uma minoria terrivelmente sub-representada. E a frustração por ser representada por uma classe política paupérrima. 


Sim. Mea culpa, também. Mea culpa. É necessário fazer mais!

Pensamentos líquidos 116

Os assassinos do Boko Haram

Continua a ser tempo de indignação. E é tempo (ainda que tardio) de se fazer alguma coisa. Leiam o relatório da Amnistia Internacional ou esta notícia do Público sobre o que o Boko Haram continua a fazer na Nigéria e interiorizem a violência que está a ser permitida.
Mas não quero deixar de copiar alguns parágrafos do relatório da Amnistia. As palavras são poderosas e podem chocar o suficiente para estimular a indignação e, mais importante ainda, a ação.
«A man in his fifties told Amnesty International what happened in Baga during the attack: “They killed so many people. I saw maybe around 100 killed at that time in Baga. I ran to the bush. As we were running, they were shooting and killing.” He hid in the bush and was later discovered by Boko Haram fighters, who detained him in Doron Baga for four days.
Those who fled describe seeing many more corpses in the bush. “I don’t know how many but there were bodies everywhere we looked,” one woman told Amnesty International.
Another witness described how Boko Haram were shooting indiscriminately killing even small children and a woman who was in labour. “[H]alf of the baby boy is out and she died like this,” he said.»

Devemos ficar indignados. As pessoas sofrem. As pessoas morrem. E é tempo de se fazer alguma coisa.

Pensamentos líquidos 115

Je suis Charlie aussi

Nos últimos dias, após o ataque às pessoas que trabalhavam para o Charlie Hebdo e a sequência posterior de eventos, houve uma indignação generalizada do mundo. Houve uma indignação contra a violência e contra o ataque à liberdade de expressão. E esta é, para mim, uma indignação válida. Pode não ser indignação suficiente, mas é válida.
Muito se tem falado e escrito sobre o ataque. Mas no meio de tanta tinta, parece-me ter sido um pouco negligenciado o que estes ataques significam, para além de pura e malevolente crueldade. Estes ataques significam medo de quem questiona. Medo do esclarecimento. Medo da consciência. Não quero, como pessoa convictamente ateia que sou, fazer uma crítica generalizada à religião. Até porque isso seria, naturalmente, idiota. Também não quero entrar nas questões filosoficamente relevantes porque, bem... tiraria o foco deste texto. Quero apenas dizer que a religião míope praticada por essas pessoas que se dizem fieis, mas andam por aí a matar outros, cresce e prolifera muito mais facilmente na ignorância. Na ausência de sentido crítico. E os cartoons significavam essa necessidade de não aceitar sem questionar. Eu espero que com esta indignação (re-)nasça um novo movimento pelo esclarecimento, pelo conhecimento. Que, na verdade, já tem uma madrinha tão nobre na Malala.
Muito se tem falado e escrito sobre o ataque. E no meio de tanta tinta, parece-me haver alguns excessos. Para algumas pessoas, a indignação tem sido desproporcionada porque não encontrou igual noutros casos igualmente repudiáveis. Eu acho que não devemos ficar indignados com a indignação legítima contra a crueldade, contra a violência gratuita, contra a ignorância. Devemos, sim, ficar muito, mas mesmo muito, indignados quando Assad e o Estado Islâmico continuam a matar pessoas, mais ou menos indiscriminadamente, e ninguém se indigna. Devemos ficar indignados quando a Rússia mata ucranianos na Crimeia e meio mundo olha para o lado. Devemos ficar indignados quando violam mulheres na Índia e saem impunes. Devemos ficar indignados com os ataques israelitas aos palestinianos em Gaza. Devemos ficar indignados com os raptos do Boko Haram. Devemos ficar indignados. As pessoas sofrem. As pessoas morrem.
As pessoas morrem... E muitos esquecem. Sim, devemos ficar indignados com isso. Não com a indignação do que indigna.

Pela indignação


Eddie Vedder e Paulo Furtado, cover de Masters of War, de Bob Dylan

Pensamentos líquidos 114

Tédio

Há uns dias atrás, algures ainda no ano passado, escrevi um texto não muito bom sobre tédio. Já algum tempo que queria escrever sobre tédio. Mas o texto que escrevi era, quando muito, medíocre. Curiosamente, não sei onde gravei o texto. Por isso, hoje, decidi escrever novamente sobre tédio.
O tédio é um sentimento humano com o qual me identifico demasiado. Tenho dele consciência nos dias de ligeiro menor stress ou nos dias de irritação com o trabalho. É muito raro sentir tédio fora do local de trabalho. E quando o sinto é normalmente associado a um cansaço excessivo que me leva a um estado estranho de alienação, em que tento tudo para nada fazer.
O tédio é ubíquo. Quando se sente tédio, sente-se em todo o corpo, nos poros; no espaço que nos rodeia. É como uma camada pegajosa dificílima de ultrapassar sem um mind changer. Para mim, a arte pode vencer o tédio. Mas, às vezes, não me permitem a arte. Às vezes, não me desobrigo do tédio.
O tédio é paradoxal I. O conceito de tédio é interessantíssimo de um ponto de vista filosófico. E, todavia, a sua existência, ou melhor, a sua consciencialização é uma agressão ao mais humano que temos. Para mim, a filosofia pode vencer o tédio.
O tédio é paradoxal II. Se, por um lado, é um sentimento muito sufocante de perda de tempo, potencialmente útil para uma atividade ou pensamentos interessantes e portanto não entediantes; é por, outro lado, um momento de consciencialização. E um momento de consciencialização não deveria ser um momento de tédio.
O tédio é angústia. Mas do conceito do tédio nasceu este texto. E eu com tantas saudades de escrever, criei-o. E na escrita, talvez só na escrita, crio autenticidade, crio verdades. E nessa autenticidade da auto-compreensão não há tédio. Nessa autenticidade da escrita – que tanto me foge – eu sou mais eu.
Pois. Talvez não tenha sido mau esquecer-me onde coloquei o texto inicial.

Pensamentos líquidos 113


Externalidades: positivas, negativas e como os músicos ficam sempre a perder

Tenho trabalhado mais horas do que as que consigo lembrar. Os dias passam mais ou menos difusos entre prazos e prazos e tarefas e tarefas. É uma indiferença triste dos dias. Mas há pequenas certezas que me confortam: como a música que posso ouvir ou os livros que posso ler, ainda que ultimamente tudo consumido em pequenas doses, por falta de tempo e por falta de disponibilidade mental. E isto aborrece-me.
Sempre que preciso de trabalhar arduamente e a inspiração e vontade são poucas, recorro ao meu instrumento de concentração e motivação: a música. E tenho recorrido tanto a este apoio, que tenho a sensação que o começo a esgotar. E isto aborrece-me bastante.
Ora, durante o último fim-de-semana, outro fim-de-semana de trabalho, em que inevitavelmente recorri, como uma desesperada, à música para trabalhar, relembrei a teoria das externalidades positivas da música sobre a produtividade no trabalho (ver também aqui). Mas percebi que a teoria é muito parcial. Sim, o facto de a música me permitir trabalhar mais e ser mais produtiva é uma externalidade positiva que, naturalmente, o meu empregador não paga. Mas há outro facto: ao ter que recorrer à música para trabalhar, estou a associar o trabalho e, em particular, o trabalho difícil e em condições problemáticas e que me causa angústia com a música que ouço. E isto cria externalidades novamente, mas agora negativas e entre outros agentes: por associar a música que gosto com o trabalho excessivo, posso estar a diminuir o meu gosto pela música. Ora, se o fenómeno for significativo, eu posso deixar de comprar música porque no meu processo de conhecimento dessa música – a que me permitiu ser mais produtiva – posso contaminá-la com os sentimentos relacionados com o trabalho. Em suma, não só os músicos causam externalidades positivas pelo aumento de produtividade, externalidades essas pelas quais não são pagos; como podem ter menos vendas porque a música que produzem fica associada ao trabalho, particularmente o trabalho em condições difíceis. E isto não me aborrece só. Isto irrita-me profundamente.
Eu posso perdoar algumas coisas. Os dias longos, as noites, os fins-de-semana a trabalhar. É difícil suportar o cansaço. Mas eu vou aguentando. Mas se alguém me estraga a audição do novo álbum dos Muse, eu não perdoo. E não estou a dizer isto só porque o álbum parece, às vezes, duvidoso.

Pensamentos líquidos 112

Há fases

Há fases em que a vida de todos os dias me atormenta mais. Fases em que fazer as tarefas quotidianas me corta na pele as marcas de desadequação. Fases em que o trabalho, que às vezes utilizo para compensar outras inexistências, me parece menos fácil de aceitar. Há fases.

Há fases em que, ao tentar escrever uma recomendação para o sistema financeiro, só me apetece gritar o quanto isso me é indiferente. Só me apetece levantar e sair do gabinete para me afastar dessa realidade tangível. Ou só me apetece mudar de documento e escrever o que é, na verdade, muito mais importante.

Há fases em que escondo essa desadequação atrás de graças forçadas ou de risos de véus opacos. E, por isso, continuo. Continuo. Continuo porque sei que nas outras fases, em que não consigo escrever, em que não encontro uma música nova e em que estou cansada de procurar, de sempre procurar, preciso de alguma coisa em que consiga ser capaz. Alguma coisa que, pela sua inevitabilidade, me traga qualquer pequeno equilíbrio que não tenho.

Pois. Há fases. E nesta fase em que, apesar das desventuras, ouvi pela primeira vez ao vivo a minha banda de eleição. Fase em que encontrei bandas novas que merecem tanto ser ouvidas. E nesta fase em que, talvez por isso, não precise da muleta do trabalho, é difícil aceitar que tenho que abdicar de tudo isto que é especial por algo tão mundano e que me é tão indiferente.

Sim. Há fases. E agora. Nesta fase, eu só queria voltar a escrever, ao som de quem quero ouvir, ao som de quem faz tanto sentido, mas não é trivial. E queria que isso fosse possível e suficiente.

Pensamentos líquidos 111


Anthony Bourdain and Lobo Antunes



The ones who know me, know well I am not nationalistic. I just think there are things which matter and nations are not one of those things. But nationalism or regionalism are used as proxies to find patterns. And that is difficult to fight against. But this is actually not what I want to talk about. This is only the disclaimer to justify that the reason why I am posting this post is not a biased nationalistic one.

So, I like Anthony Bourdain and his shows. They’re fun and it is interesting to get to know cultures through their food. So, just for that, I could suggest this one about Lisbon. But then, then, we have the food. And even though I would not really eat the pork sandwiches or (no longer) the blood sausages, there is the food. There is the sea food and the delicatessen and, of course, the “ginginha”.


[Anthony Bourdain in Lisbon]
But I have other reasons to write this post. And one reason is so overwhelming that I feel almost embarrassed. One of Anthony’s guests is António Lobo Antunes himself. And I apologise to Lobo Antunes for the boldness here and I know he’d call me silly should he know about this (not the first time I do it though), but he’s very much my writer. One of my all time favourites. Probably my contemporaneous favourite writer. So, yes, I definitely had to post this one. It’s not often that one sees Lobo Antunes and I feel I need to praise Bourdain’s team to get him to talk to the world. It’s not often that he talks to the world.
As I wrote, I am not nationalistic. There are lots of things in which I am not very “Portuguese”. But living abroad made me understand that there are plenty of things that I was not appreciating enough and that are, in fact, just delicious. And I miss them. The music, the music scene, the restaurants, the other arts, the non-stiffness of people. But of course, now that I am coming to an end of this post, there is something I need to say about Portuguese writers. My favourite writer was Portuguese, my favourite poet the same, and no news with my favourite contemporaneous writer, here in the Bourdain show. Yes, maybe this Portuguese sad soul doomed writer (or musician) is really true. But either true or false, it can’t get better than that. And for that I am so thankful.

Pensamentos líquidos 110

Externalidades positivas dos Pearl Jam

Já cheguei a escrever sobre os motivos pelos quais as artes devem ser subsidiadas. Em termos muitos simples, uma solução natural de mercado tende a providenciar quantidades sub-óptimas de arte, uma vez que não internaliza fenómenos como as externalidades.

Ora, eu nem quero falar muito tecnicamente sobre isto agora. Mas posso afiançar-vos. Hoje, o meu empregador usufruiu de externalidades positivas criadas pela música dos Pearl Jam; externalidades essas pelas quais naturalmente não pagou. Não fossem eles e teria vindo para casa a meio do dia com um nó irresolúvel, gigante na cabeça.

Pensamentos líquidos 109

Os 100 melhores livros de sempre

Quando era mais nova, sentia por vezes uma angústia enorme ao consciencializar que, por escassez de tempo, nunca poderia ler todos os livros que quisesse. A angústia foi-se dissipando, mas penso frequentemente que posso estar a deixar escapar livros importantes. E, por isso, de tempos a tempos, olho novamente para a lista de prémios Nobel ou pesquiso listas de melhores livros de sempre. Acabo, quase sempre, ligeiramente desiludida porque as listas não me agradam.


Todavia, não há muito tempo, encontrei uma lista dos 100 melhores livros de sempre, elaborada pelo The Guardiam em 2002.


Esta lista é relativamente especial porque não é limitada em períodos ou línguas e foi preparada a partir da opinião de escritores de todo o mundo. E, numa perspectiva mais egoísta, porque contém vários autores e títulos que estariam na minha lista pessoal. Desde logo, tem vários romances de Dostoyevsky, de entre os quais “O idiota”, um dos meus livros de eleição. De entre os russos, apresenta ainda Tolstoy, Gogol e Tchékov. Não negligencia Ulisses, de James Joyce, por muitos considerado o melhor livro de todos os tempos e uma lacuna pessoal. Ainda Stendhal, Proust, Camus, entre outros franceses; Jorge Luis Borges, Gabriel Garcia Marquez; Edgar Allen Poe, Hemingway, Walt Whitman; Thomas Mann; Kafka; Shakespeare; Cervantes; Homero, Virgilio…


Sim, muitos destes nomes chamam muito a atenção. Chamam muito também a minha atenção. Mas talvez o que tornou a lista ainda mais especial, foi um nome em particular, que não costuma constar de listas assim. E esse nome é Pessoa, um dos meus poetas preferidos. A obra em causa é o Livro do Desassossego, na verdade assinado pelo semi-heterónimo Bernardo Soares, e segundo alguns, parcialmente escrito por Pessoa ortónimo. Infelizmente, nunca escrevi realmente sobre o Livro do Desassossego, nada mais do que isto. E culpo-me.

Mas, acima de tudo, o importante é que Fernando Pessoa está na lista. Ele foi/é um escritor fantástico e vê-lo numa listas destas deixa-me regozijar de contentamento.


O reconhecimento deveria ser só uma justa consequência.

Pensamentos líquidos 108

Vergílio Ferreira, espólio e o primeiro post do ano

Leio Vergílio Ferreira novamente, como que a propósito da edição recente de obras do seu espólio. Como se motivos fossem necessários…
Leio Vergílio novamente e, como sempre, algo muito especial acontece. Tão especial que me culpo das palavras que utilizo para o dizer. Talvez só as dele pudessem dizer o eu quero. E então pareço querer arrancar verdades de mim, aqui, só para as dizer sobre ele.
Ora, a importância das coisas depende do sujeito. As minhas preocupações importantes parecem ter sido já todas pensadas, trabalhadas, resolvidas por V.
Tento escrever, com esta comoção de quem procura verdades e as encontra nas palavras de outrem. Verdades. Procura. Partilha de interesses semelhantes. É isto que V. me dá sem o saber. É nesta ‘arte-verdade’ que V. já tinha pensado, que encontro as respostas que procuro; as perguntas que procuro. São verdades individuais, inexoráveis, com uma força impossível de igualar. Para mim. Compreensão.
Disseram-me, como se eu não soubesse, que esta minha ‘arte-verdade’ é a minha religião. É-o, na perspectiva de ser maior; mas só aí. Em tudo o resto é mais genuína. É uma ‘arte-verdade’ individual, partilhada através da dúvida e por cumplicidade, nunca por dogma. É uma procura, mais do que uma resposta. E ironicamente é humana. O que a torna tão mais notável porque existe sem hipóteses.
Para mim é, talvez, a ‘arte-filosofia’. Porventura por isso nunca compreendi a fotografia como forma de arte. Porque a minha arte é muito mais do que um exercício estético de técnica. E por isso a sua subjectividade.
A obra de arte é tão mais especial quanto mais verdade trouxer. E V. traz-me muita.

Aproveito para parabenizar e agradecer à equipa Vergílio Ferreira pelo trabalho ao longo dos anos e, especialmente, a Fernanda Irene Fonseca e Hélder Godinho pela publicação destas obras do seu espólio. É muito apreciado.

Nos próximos tempos trar-vos-ei excertos de Promessa e de um Diário Inédito.
a

Pensamentos líquidos 107

The National – concert in Germany

There is nothing like the arts. Nothing. There is nothing like the excitement of understanding oneself better through a creative search for truth.

Music in particular is a very genuine type of art. And I have been missing my music like hell. I have been missing being in a concert with all my cells jumping wildly with the feeling of finally having found something worthwhile getting uneasy for.

It is a different feeling to attend a concert in Germany (in Frankfurt?). Ironically, everything looks less organic. I still remember being terribly happy when I couldn’t breathe for three songs during my first Muse concert. Surely that wouldn’t happen in Frankfurt. Fair enough. But I must say I am still amazed of how still, not interactive, a crowd can be with a band they actually like. The National.

I started my ‘The National’ craving not so long ago. But I started it steadily and am now convinced of how much I like them. I could try to explain how the concert I went to see last Thursday worked out. I could try to explain you how I can hear my own voice in the bits I recorded. I could try to tell you all that, but I would be missing the most important. No matter the surprise of being almost the only one singing or jumping, I would be understating how good the concert was.

I could try to tell you lots of things. I choose to tell I enjoyed the concert very much. I choose to tell you it was so nice to get back again together with arts authenticity. And I choose to show you the following.



Runaway



Vanderlyle crybaby geeks


Well. Interactive or not, I still want to attend concerts in Germany. Even if I feel a bit marginalised in their way of eating up the thrill for art.

But you know. It is that feeling of smiling through tears because you found something. Something worthwhile getting vulnerable for.
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Pensamentos líquidos 106

Número de reclusos nos EUA

É “natural” que, num estado de direito, quem cometa uma ofensa criminal grave seja privado da sua liberdade durante um período de tempo. Foi o modo acordado para lidar com ofensas sérias aos direitos de outros. E, julgo, faz sentido. Se por um lado, há que haver um conjunto de regras que estipule o que é e não permitido a uma vida em sociedade, por outro, há que haver um modo de as tornar efectivas. Adicionalmente, quando alguém põe em perigo a vida em sociedade (e a vida de outros em particular) de um modo de tal forma grave que se considera não ser prudente deixá-lo livre, então, julgo, faz sentido, restringir as acções dessa pessoa, designadamente através da sua prisão. Mas não faz sentido encarcerar pessoas que cometem pequenos delitos só porque politicamente se querer mostrar quão duro se é contra o “crime”. E muito menos faz sentido fazer cumprir uma pena ilógica. Leiam, a este propósito, este artigo no Economist sobre o número de reclusos nos EUA. Chamo a atenção, em particular, para o primeiro parágrafo que seria hilariante de tão ridículo, se não se estivesse a falar de privar pessoas da sua liberdade física.


«IN 2000 four Americans were charged with importing lobster tails in plastic bags rather than cardboard boxes, in violation of a Honduran regulation that Honduras no longer enforces. They had fallen foul of the Lacey Act, which bars Americans from breaking foreign rules when hunting or fishing. The original intent was to prevent Americans from, say, poaching elephants in Kenya. But it has been interpreted to mean that they must abide by every footling wildlife regulation on Earth. The lobstermen had no idea they were breaking the law. Yet three of them got eight years apiece. Two are still in jail.»
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The Economist, artigo supra-referido
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Pensamentos líquidos 105

Dalai Lama e Obama

Ao contrário do que já aconteceu em Portugal, com a solução estranha de Sampaio, Obama vai mesmo receber, na Casa Branca, o Dalai Lama. Pode ser simbólico, mas é importante e não é cobarde. É uma iniciativa que não esquece que o Tibete foi invadido pela China. Independentemente de ter um líder religioso, o que é discutível. Mas a verdade, verdade, é que era uma nação independente e pacífica, com um líder aceite pela população. E, muito sinceramente, alguém com uma filosofia de vida correcta e respeitadora.
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Fico muito satisfeita com este encontro: é simbólico, sim, mas é uma esperança.
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Pensamentos líquidos 104

Julgamento do mentor dos atentados de 11 de Setembro

O julgamento do mentor dos atentados do 11 de Setembro será civil, em Nova Iorque. Apesar de não ter argumentos jurídicos que sustentem a minha posição, sou, por princípio, contra tribunais militares. Na verdade, porque me parecem sempre um pouco à margem da lei e porque tenho a sensação que os militares gostam de achar que podem impor as suas directrizes não oficiais de gang.

Agora, independentemente da correcção dos resultados e eficiência dos sistemas judiciais, considero que é nesse campo que os réus devem ser julgados. E é por isso que a solução agora definida para este caso me parece adequada e sensata. Mas espero, acima de tudo, que seja justa.
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