Je suis Charlie aussi
Nos últimos dias, após o ataque às pessoas que trabalhavam para o Charlie
Hebdo e a sequência posterior de eventos, houve uma indignação generalizada do
mundo. Houve uma indignação contra a violência e contra o ataque à liberdade de
expressão. E esta é, para mim, uma indignação válida. Pode não ser indignação
suficiente, mas é válida.
Muito se tem falado e escrito sobre o ataque. Mas no meio de tanta tinta,
parece-me ter sido um pouco negligenciado o que estes ataques significam, para
além de pura e malevolente crueldade. Estes ataques significam medo de quem
questiona. Medo do esclarecimento. Medo da consciência. Não quero, como pessoa
convictamente ateia que sou, fazer uma crítica generalizada à religião. Até
porque isso seria, naturalmente, idiota. Também não quero entrar nas questões
filosoficamente relevantes porque, bem... tiraria o foco deste texto. Quero
apenas dizer que a religião míope praticada por essas pessoas que se dizem
fieis, mas andam por aí a matar outros, cresce e prolifera muito mais
facilmente na ignorância. Na ausência de sentido crítico. E os cartoons significavam essa necessidade
de não aceitar sem questionar. Eu espero que com esta indignação (re-)nasça um
novo movimento pelo esclarecimento, pelo conhecimento. Que, na verdade, já tem
uma madrinha tão nobre na Malala.
Muito se tem falado e escrito sobre o ataque. E no meio de tanta tinta,
parece-me haver alguns excessos. Para algumas pessoas, a indignação tem sido
desproporcionada porque não encontrou igual noutros casos igualmente
repudiáveis. Eu acho que não devemos ficar indignados com a indignação legítima
contra a crueldade, contra a violência gratuita, contra a ignorância. Devemos,
sim, ficar muito, mas mesmo muito, indignados quando Assad e o Estado Islâmico
continuam a matar pessoas, mais ou menos indiscriminadamente, e ninguém se
indigna. Devemos ficar indignados quando a Rússia mata ucranianos na Crimeia e
meio mundo olha para o lado. Devemos ficar indignados quando violam mulheres na
Índia e saem impunes. Devemos ficar indignados com os ataques israelitas aos
palestinianos em Gaza. Devemos ficar indignados com os raptos do Boko Haram.
Devemos ficar indignados. As pessoas sofrem. As pessoas morrem.
As pessoas morrem... E muitos esquecem. Sim, devemos ficar indignados com
isso. Não com a indignação do que indigna.
Pela indignação
Eddie Vedder e Paulo
Furtado, cover de Masters of War, de Bob Dylan
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