Pensamentos líquidos 119

A crueldade dos seres I - A coragem de alguns 

Sinto-me culpada sempre que há algo que merece a minha atenção e não lhe dispenso as linhas necessárias. Mas, muitas vezes, não consigo reconciliar-me com a crueldade que vemos, com a pluralidade de lutas que temos que lutar. E escondo-me, minimizo-me sem lutar, sem escolher algumas das lutas que me são mais próximas. Mas não o faço sem me recriminar…
Desde a última vez que vos escrevi, a propósito da greve de fome de Luaty Beirão, que tenho sido pejada de culpa por não fazer mais. Desde esse dia, aconteceram tantas coisas. Foi tanta a crueldade que prevaleceu. E eu devia fazer mais.
O julgamento dos ativistas angolanos, acusados de atos preparatórios a uma rebelião e de atentado contra José Eduardo dos Santos, começou no dia 16 de novembro. Um dos atos terríveis que alegadamente cometeram foi discutir o livro “Ferramentas para destruir o ditador e evitar nova ditadura — Filosofia Política da Libertação para Angola” de Domingos da Cruz, baseado no livro de Gene Sharp “From Dictatorship to Democracy, a conceptual framework for liberation”. Aliás, houve uma leitura pública do livro em Lisboa, no dia em que o julgamento começou, que quero aplaudir. Um livro crítico é uma coisa perigosíssima para um ditador. Porque, para um ditador, o conhecimento é terrível; equipa o povo com uma arma imensa de luta: a razão crítica. E os ditadores não se dão muito bem com a razão ou com a crítica… 
Para além do acusação ser ridícula, no pressuposto de alguma liberdade de expressão e num estado de direito (bem sei, bem sei, pouco estados são verdadeiramente estados de direito), os advogados de defesa não terão tido acesso aos processos e, com o atrasar das audições, chegou a temer-se não haver decisão antes das férias judiciais. Espero que os desenvolvimentos a relatar, no futuro, sobre o julgamento não envergonhem ninguém que defenda os direitos e as liberdades individuais. 
E espero que o mundo se mantenha atento ao que se passa em Angola. Como já disse antes, o mundo não tem o direito de os desiludir.

Sem comentários: