Pensamentos líquidos 112

Há fases

Há fases em que a vida de todos os dias me atormenta mais. Fases em que fazer as tarefas quotidianas me corta na pele as marcas de desadequação. Fases em que o trabalho, que às vezes utilizo para compensar outras inexistências, me parece menos fácil de aceitar. Há fases.

Há fases em que, ao tentar escrever uma recomendação para o sistema financeiro, só me apetece gritar o quanto isso me é indiferente. Só me apetece levantar e sair do gabinete para me afastar dessa realidade tangível. Ou só me apetece mudar de documento e escrever o que é, na verdade, muito mais importante.

Há fases em que escondo essa desadequação atrás de graças forçadas ou de risos de véus opacos. E, por isso, continuo. Continuo. Continuo porque sei que nas outras fases, em que não consigo escrever, em que não encontro uma música nova e em que estou cansada de procurar, de sempre procurar, preciso de alguma coisa em que consiga ser capaz. Alguma coisa que, pela sua inevitabilidade, me traga qualquer pequeno equilíbrio que não tenho.

Pois. Há fases. E nesta fase em que, apesar das desventuras, ouvi pela primeira vez ao vivo a minha banda de eleição. Fase em que encontrei bandas novas que merecem tanto ser ouvidas. E nesta fase em que, talvez por isso, não precise da muleta do trabalho, é difícil aceitar que tenho que abdicar de tudo isto que é especial por algo tão mundano e que me é tão indiferente.

Sim. Há fases. E agora. Nesta fase, eu só queria voltar a escrever, ao som de quem quero ouvir, ao som de quem faz tanto sentido, mas não é trivial. E queria que isso fosse possível e suficiente.

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