Apontamentos fugazes 183

Excertos de Promessa

«Porque há mais verdade neste momento em que escrevo do que em todo o passado ou futuro.»

«Lembro-me que, às vezes, Sérgio largava, desgarrado, serra fora, sem aviso. De uma vez, lá o fui achar estirado entre penedos, olhando, pasmado, para o céu. (…) Ao ver-me, Sérgio não se perturbou:
– Que está a fazer? – perguntei com estupidez.
– Nada. Estou a sofrer.
(…)
– Então porque sofre?
– Isso é uma pergunta idiota, meu filho. Alguém pergunta porque é que a noite é triste e o sol alegre? Sofrer é tão natural e espontâneo como existir. Só os insuficientes é que procuram uma causa para serem felizes ou infelizes.»

«Por enquanto é livre porque, apesar de tudo, pensa. E só a acção nega a liberdade. Agindo, perde-se. Porque, quando se age, não se pode agir outra coisa.»

«E o interessante é sentir. Só isso dá p gosto de sermos. Sentir dilata o ser aos extremos limites. Diabo! Viver plenamente! A única coisa que temos à mão é a nossa vida. Mas ela própria se esquiva se tentarmos entendê-la como os seus existencialismos verificaram. Vem-nos, todavia, à posse integral se a libertarmos para um sentir máximo. Enfim, tudo isto é falso por estar a dizê-lo. Oxalá não me tenha feito compreender bem.»

«(…) se bem que poetas e filósofos, abraçados, se reclamam da visão última – definitiva – dos factos.»

« Mas que me importam os factos, se tenho as ideias?)»


Vergílio Ferreira, «Promessa», Quetzal, pp.40, 83-84, 85, 101, 119, 166, obra do espólio de VF
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