Contos 10

Ciclo D – Cicatriz

Mais branca. Ligeiramente saliente. Aquele cicatriz, tão apetecível afinal. Tocar na cicatriz dele com a minha língua. Naqueles dois centímetros de pele branca a contrastar com a tez restante. Lamber longitudinalmente aquela cicatriz. Sentir-lhe os contornos, delineá-los com a minha saliva.
Poderia conceber que o movimento lento da minha língua lhe fizesse atingir uma intensidade explosiva quase, orgásmica. Gostava que o fizesse. Sentiria a excitação contida mais plena como se soubesse uma verdade. Da autenticidade das sensações. A partir de algo tão pouco natural como uma cicatriz e curiosamente tão, admirável. Paradoxalmente a imperfeição tão adequada, eu a única pessoa a quem nunca permitiria este tipo de incoerência lógica. Mas aquela cicatriz. Gostaria que ele sentisse um prazer desmedido só pelo toque da minha língua expectante naqueles centímetros curtos de um corte antigo. Gostaria que aquilo que já doeu fosse agora fonte de deleite. Só pelo toque húmido da minha língua.

[Março de 2006]

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