Pensamentos líquidos 71

Primárias Norte-Americanas

Se por um lado, considero as presidenciais Norte-Americanas o paradigma de injustiça política, por outro lado, não nego que acho todo o processo, desde as primárias até ao dia da votação final, interessantíssimo em termos de estratégia política.

Ganhar entre os pares é um jogo completamente diferente de ganhar a um adversário “ideológico” (frase simplista, eu sei, ainda assim, há mais diferenças entre um Democrata e um Republicano do que entre um socialista e um social democrata). Chegar às presidenciais com o apoio de um dos dois principais partidos nos EUA é uma tarefa árdua. É uma tarefa ardilosa. E é, sem dúvida, uma tarefa cara. E o que se defende (publicamente, entenda-se) entre os pares que permita vencer as primárias é diferente do se terá que defender na fase da eleição final. E é por isto que o equilíbrio que cada candidato tem que escolher/obter é um ponto interessantíssimo. É um equilíbrio instável, muito instável. E é um jogo que se joga intra-temporal e inter-temporalmente. Só as primárias estendem-se por meses.

É disto que eu gosto. Da luta pela percepção correcta das mentes dos democratas, dos republicanos, dos indecisos. O que é que cada um quer/precisa de ouvir. O que é que enche as medidas de cada um. É por isto que as campanhas têm uma dimensão tão exagerada, mas necessária. É por isso que o staff de cada um daqueles candidatos é monstruoso. E é por isso que, independentemente de estarem certos ou errados, essas pessoas têm um expertise tão elevado. Eles são manipuladores de ideias, de posições, até de convicções; mas só ao limite que os deixam ser. E eles são adaptativos, aprendem com os erros, vão polindo opiniões, vão atacando nos pontos fracos que, de quando em vez, são expostos. E são bons a fazê-lo.

E eu gosto disto. Porquê? Porque perceber como as mentes das pessoas funcionam é uma tarefa interessantíssima. E o jogo (estratégico) também.

Mas agora. Um update do que se passa no outro lado do Atlântico. Depois do democrata Obama ganhar no Iowa e Hillary em New Hampshire. Depois do republicano Mike Huckabee ganhar no Iowa e John McCain em New Hampshire. Depois disso, só me parece haver uma certeza. Temos os democratas muito menos divididos do que os republicanos. Entre Obama e Hillary está o candidato presidencial democrata. Entre os republicanos, é muito mais difícil de aferir: há um pântano de candidatos potenciais – Giuliani, muito pouco consensual, com mais mulheres do que os republicanos gostam de admitir que têm, pode ter os maiores Estados a comprarem-lhe a vitória nas primárias; mas só McCain parece ser o candidato que os Norte-Americanos estão dispostos a ver viver na Casa Branca (já vos disse que a Casa Branca é muito mais pequena do que se supõe?).

Dados curiosíssimo, de acordo com as sondagens mais recentes. Só McCain poderia eventualmente vencer Obama nas presidenciais. Ganharia certamente a Hillary, mas contra John Edwards, o candidato democrata que nunca chegará às presidenciais, provavelmente perderia. Eu sei, eu sei; isto vale muito pouco. E tem pouquíssimas certezas associadas.

Mas não é giríssimo?
a

2 comentários:

Anónimo disse...

As locomotivas partidárias que se degladiam nos E.U.A. são, de facto, monstruosas. A luta pela descoberta daquilo que os eleitores desejam, para depois repercutir isso no seu candidato, a procura da perfeição aos olhos do eleitorado, tudo isso é espantoso e de elaborada técnica político-partidária. No entanto, como bem referes, estas máquinas são sorvedouros de dinheiro, investido maioritariamente naquilo que, hoje, interessa: "media". O "palhaço" aparecer na "cable" o maior número de vezes possível, da melhor forma possível. Os artigos de "opinião" serem favoráveis, and so on! E esse dinheiro de onde é que provém? De que industrias, de que tipo de empresários? E para quê? Apenas pelos ideais partidários e a bem da Democracia? As perguntas são meramente retóricas. É por ter esta percepção que utilizo o meio mais rudimentar para analisar e classificar os candidatos a candidatos a Presidente dos E.U.A.. Gosto do Obama,não pela cor, nem pelos argumentos e ideias políticos que defende, que confesso, desconheço. Mas parece-me boa pessoa, sorri, sorri livremente, não aquele sorriso forçado, de lábios fechados da Hilary. E é assim, gosto do Obama porque me parece um tipo simpático, como gostava do Kerry porque achava que tinha olhos de "boa pessoa"!!! Não quero com isto dizer que acredito que quer um ou outro não cederiam aos variados lobbies que os colocam no poder - concerteza que sim! Quero com isto apenas dizer que as eleições nos E.U.A., para mim, se assemelham um pouco ao futebol americano com todos aqueles equipamentos, protecções e afins, tudo tão artificial e mecânico. Acho que deveriam praticar um jogo mais verdadeiro, onde a construção do jogador não suplantasse a essência do mesmo!Mas tenho dúvidas que isso seja possível.

F disse...

O meu post era mais sobre a parte estratégica que, admito, gosto. O que não quer, por outro lado, dizer que não reconheça que, no fundo, no fundo, estas campanhas são um mero desperdício de recursos e uma fachada.

Ainda que concordando com a maior parte do que dizes, acho também que o que acontece nos EUA, acontece em todos os outros sítios. A diferença é que ali a dimensão é outra. Mas todos deveriam praticar um "jogo mais verdadeiro". Seria óptimo. Ideal.

O Guterres tinha cara de boa pessoa, mas isso não o tornava (nem tornou) competente. Ele era natural, um bom orador, mas como primeiro-ministro... goodness, foi mau.

Mas o Obama, sim, também gosto do Obama.