De Hermes e
Afrodite o filho esbelto e amado,
de Salmacis oscula
o corpo melodioso,
e a ninfa treme
e enleia o moço deslumbrado
com um prazer
que até chega a ser doloroso…
(…)
Num doido
frenesi, entrar parecem querer
ela – no corpo
dele, ele – no corpo dela!
Choram, gemem,
dão ais… e no auge do prazer,
começam a gritar
para o céu que se estrela:
«Ó deuses!
Atendei nossa súplica ardente:
se é verdade que
vós ouvis as vozes que vos chamam,
os nossos
corações fundi-os num somente,
fundi num corpo
só, nossos corpos que se amam!»
Ao Olimpo chegou
essa súplica louca,
e Zeus, o grande
Zeus, cuja foça é infinita,
as duas bocas
transformou numa só boca
e dos dois
corpos fez um só: HERMAPHRODITA!
[…]
Brumoso ser!
Milhões de mágoas o consomem,
são dois céus a
chorar suas tristes pupilas:
tem as ânsias
sensuais da mulher e do homem
mas para as
satisfazer não pode desuni-las!
A boca feminil
abre-se doida, ansiosa
por belos deuses
nus, mas sem os encontrar;
e os braços,
procurando uma cintura airosa
abrem-se, mas em
vão! Dão abraços no ar!
[…]
Sobe aos altos
faróis, desce aos subterrâneos,
nada abranda,
porém, seu íntimo alvoroço:
com uma só boca
quer dois beijos simultâneos,
ao mesmo tempo
busca uma mulher e um moço!
Se um efebo
procura, as mulheres o fascinam
se uma mulher
possui, de um efebo carece,
de desejar em vão,
cem mágoas o dominam:
nada, nada o
contenta e tudo lhe apetece!
Sem poder sofrer
mais desespero tamanho,
Hermaphrodita um
dia, enfim crispando as mãos,
enforcou-se e
morreu… Mas do seu corpo estranho
saíram, sempre
hostis, os dois feros irmãos.
Chovia… E
procurando uma guarida calma,
que os livrasse
da chuva, uma torre ou uma gruta,
viram minha alma
aberta, entraram na minha alma
e na minha alma
estão continuando a luta!
«Hermaphrodita», Salomé e outros poemas, Eugénio de Castro, em Antologia de
poesia portuguesa erótica e satírica, selecção por Natália Correia, Antígona e
Frenesi, 2008