Recomendações 86

The hope six demolition project, by PJ Harvey

A lovely album by PJ Harvey, one of the greatest.

He's saying dollar dollar
I can't look through or past
A face saying dollar dollar
A face pock-marked and hollow
Staring from the glass


Dollar, dollar, from “The hope six demolition project”, PJ Harvey, 2016

Arquitetura, artes plásticas e design 17

Fugit Amor, por Auguste Rodin

O eco que uma peça de arte reverbera em cada um de nós é variável e depende da relação genuína que se cria entre nós e a peça. Evidentemente, essa relação depende de um conjunto enorme de fatores, de entre os quais tem de se destacar as características intrínsecas da peça e nossas. Outro factor de destaque é a forma de arte em si, que pode, de algum modo, ser vista como uma das características da peça de arte. 
O impacto de uma peça de arte num indivíduo é uma temática que me interessa sobremaneira, mas hoje não é o dia para dissertar sobre ela. Hoje é dia de falar de um caso específico.
Há algumas semanas atrás, no Museu Rodin, em Paris, voltei a ser assaltada por uma sensação de compreensão tão avassaladora que me trouxe lágrimas às comportas dos olhos. Sou uma fã assumida de Rodin há muitos anos porque há uma intensidade nas suas obras que me comove, que me causa um estremecimento de verdade. Causa-me uma sentimento maior. Um tipo único de sentimento maior que só na arte consigo sentir sem receio de desilusão. 
No percurso da sua casa-museu, aparece cedo uma obra que há muito me cativa, me comove, me enternece e me faz exaltar. Chama-se “Fugit Amor” e, como muitas das suas obras, é parte das Portas do Inferno. Vi uma versão em mármore no Museu Legion of Honor em São Francisco há muitos anos atrás e teve também esse impacto magnífico. Várias outras obras na casa-museu em Paris causaram efeito semelhante, mas Fugit Amor é um bocadinho mais especial. 

Como vos dizia, o impacto de uma peça de arte num indivíduo depende de muitos fatores. Em Fugit Amor eu vejo perfeição técnica, mas vejo muito mais, vejo a qualidade efémera de um sentimento que nunca poderá ser permanente, a não ser que seja congelado na morte. Em Fugit Amor eu vejo a impossibilidade de um amor eterno e, no entanto, vejo a intensidade e a dor da sua ausência. Sim, sei que não é essa a história por detrás da sua criação para as Portas do Inferno. Mas é assim que a sinto. E isso é tudo porque em Fugit Amor vejo-me a mim.

Homenagens 73

A Moon Shaped Pool

Referi há algum tempo que queria escrever sobre o último álbum dos Radiohead, A Moon Shaped Pool, quando partilhei uma versão antiga de uma música recuperada nesse álbum – True love waits. 
Desde essa altura, várias coisas aconteceram. Em particular, vi o concerto dos Radiohead no Primavera Sound, em Barcelona. E se a reação esperada seria o embevecimento, o que aconteceu foi o oposto. Imaginem o que é estar a quilómetros de onde decorre um concerto e ouvir resquícios da música distorcida pela distância. Foi o que me aconteceu no concerto dos Radiohead no Primavera Sound. As condições de som foram paupérrimas e posso apenas acreditar – tendo em atenção as críticas que li – que os Radiohead deram um bom concerto. Mas, para uma fã, isto é pura mágoa. Já escrevi um email reprovador à organização do Primavera Sound porque as condições de som foram, em geral, bastante más e revelam pouco cuidado com os artistas. E um festival de música digno precisa de evidenciar o maior respeito pelos artistas e não se preocupar miopemente com a dimensão. 
Mas A Moon Shaped Pool merece um post em êxtase. E comecei-o com comentários acerca do concerto apenas para provar que nem um concerto triste pode mudar a minha opinião.
Os álbuns anteriores, The King of Limbs e, mesmo, In Rainbows são álbuns difíceis, que demorei algum tempo a aprender a gostar e que, mesmo assim, conservaram sempre alguma distância, debalde as minhas tentativas de aproximação. Durante algum tempo, na sua torre de perfeição, os Radiohead começaram a criar algo tão imaculável, mas tão incrivelmente abstrato, que me senti ligeiramente perdida. Isto não quer dizer que me tenha afastado dos Radiohead. Os Radiohead serão sempre especiais. Os Radiohead serão sempre mais especiais. 
Com A Moon Shaped Pool, os Radiohead regressam à abstração perfeita não hermética. A Moon Shaped Pool é um álbum despido de tudo o que não é necessário e cheio de Radiohead. É um álbum que me enche de imensidão, mesmo quando reconheço a minha pequenez; é um álbum maior. 
Talvez sejam o meu calcanhar de Aquiles, onde escolho ser frágil, mas os Radiohead, neste álbum trouxeram-me uma perfeição deliciosamente humana. Enquanto procuro um sentido, reconheço que há momentos em que esse sentido maior pode não ser necessário:
In you I’m lost.

Decks dark, A Moon Shaped Pool, 2016, Radiohead

Trivialidades 252

Coisas que me irritam mais do que proporcionalmente

Incoerências