Absurdo de Camus, escrito por Sartre
«O que é então o absurdo como estado de facto, como dado original? Nada menos do que a relação do homem com o mundo. O absurdo fundamental manifesta, antes de tudo, um divórcio: o divórcio entre as aspirações do homem à unidade e o dualismo intransponível do espírito e da natureza, entre o impulso do homem em direcção ao eterno e o carácter finito da sua existência, entre a “preocupação” que é a sua própria essência e a inutilidade dos seus esforços. A morte, o pluralismo irredutível das verdades e dos seres, a ininteligibilidade do real, o acaso, eis os pólos do absurdo.
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A sua originalidade [de Camus] é, a seus olhos, ir ao fim das próprias ideias: para ele não se trata, com efeito, de coleccionar máximas pessimistas. Certo é que o absurdo não está no homem, nem no mundo, se os tomamos separadamente; mas, como é o carácter essencial do homem o “estar-no-mundo”, o absurdo é, em suma, unitário com a condição humana.
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Então, se sabemos recusar o socorro enganador das religiões ou das filosofias da existência, temos algumas evidências essenciais: o mundo é um caos, (…) não há amanhã, visto que se morre.
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Mas não é isto somente: é uma paixão do absurdo. O homem absurdo não se suicidará: quer viver, sem abdicar de qualquer das suas certezas, sem dia seguinte, sem esperança, sem ilusões e também sem resignação. O homem absurdo afirma-se na revolta. Fixa a morte com uma atenção apaixonada e esta fascinação liberta-o: conhece a “divina disponibilidade” do condenado à morte. Tudo é permitido, visto que Deus não existe e visto que se morre. Todas as experiências são equivalentes, convém somente adquirir a maior quantidade possível delas.»
Jean-Paul Sartre, prefácio de «O Estrangeiro» de Camus, Livros do Brasil 2006, pp. 8-12