Apontamentos fugazes 213


Mito de Sísifo

«Os deuses tinham condenado a Sísifo a empurrar sem descanso um rochedo até ao cume de uma montanha, de onde a pedra caía de novo, em consequência do seu peso. Tinham pensado, com alguma razão, que não há castigo mais terrível do que o trabalho inútil e sem esperança.
(…)
Já todos compreenderam que Sísifo é o herói absurdo. (…) O seu desprezo pelos deuses, o seu ódio à morte e a sua paixão pela vida valeram-lhe esse suplício indizível, em que o seu ser se emprega em nada terminar.
(…)
Se este mito é trágico, é porque o seu herói é consciente (…) O operário de hoje trabalha todos os dias da sua vida nas mesmas tarefas, e esse destino não é menos absurdo. Mas só é trágico nos raros momentos em que ele se torna consciente. Sísifo, proletário dos deuses, impotente e revoltado, conhece toda a extensão da sua miserável condição: é nela que ele pensa durante a sua descida. A clarividência que devia fazer o seu tormento consome ao mesmo tempo a sua vitória. Não há destino que não se transcenda pelo desprezo.»

Albert Camus, Capítulo ‘O Mito de Sísifo’, O mito de Sísifo, trad. de Urbano Tavares Rodrigues, Editora Livros do Brasil, pp. 125, 126, 127

Sem comentários: