Hoje quando acordei já estava acordada e tu já existias fora do sonho que tinha sido o sonho que sonhei quando estava acordada mas pensava que estava a dormir ou, talvez quando estava a dormir, mas pensava que estava desperta. Por isso quando o despertador tocou sons metrónomos, tu já existias fora do sonho que ainda era o sonho não acordado do sono que ainda não era vigília.
Dúbio espaço espectral dos sonhos, era incerta a realidade esfumada, mas havia um toque tão físico entre as nossas mãos. A minha memória aguada tem somente essa recordação do sonho. O entrelaçar verdadeiro dos nossos dedos. E o toque... a pele. Não sei se sentia a tua pele ou a minha porque é sempre difícil saber se o que se sente com o tacto é o que está dentro ou o que está fora do que se é. Por isso não sei o que sentia, se o teu toque, se o meu; não sei se sentia as tuas células vibrantes debaixo da minha mão, se sentia a minha mão nos teus dedos. Sentia a pele, mas não sabia a causalidade. Era talvez o toque simbiótico que sentia.
Mas com o correr inexorável dos segundos inevitáveis fui perdendo a sensibilidade desse toque até ser somente uma recordação esvaecida. Memória de um sonho bom. Enigmática verdade que desconhece a sua existência, aqueles foram momentos que eu queria ter guardado na caixinha das recordações perenes e ter comigo sempre que de ti me lembrasse, sempre que contigo estivesse e isso não fosse inconveniente. Debalde. Tal não é possível. Como eterno não retorno. Não se pode re-provar cada instante até lhe exaurir o sabor, esvaziar de todo o sentimento, aniquilar todo o excesso até nada daí restar. Se eu pudesse fazer isso, conheceria agora as tuas mãos melhor do que as minhas, saberia o teu cheiro num olhar e sentiria o teu sabor com os meus ouvidos. Mas só se isso fosse tudo. Só se isso fosse já a perfeição desconhecida. Só se, depois de o ser, ambos quiséssemos que o fosse ainda.
Assim, um dia, não me lembrarei daquele toque que senti sem o experimentarmos. Assim não saberei o teu cheiro nem sentirei o teu sabor. Seremos sempre a distância que nos separa de um sonho. Daquele sonho que, dentro da minha cabeça, não ousou revelar-se.
[Novembro de 2004]