Pensamentos líquidos 38

Crueldade

Há algumas semanas atrás, com questões a serem discutidas em França e em Espanha, a eutanásia voltou a estar na agenda. Infelizmente, por muito pouco tempo. E, mais do que infelizmente, sem consequências. Voltei a falar sobre o tema que me afecta tanto e curiosamente tive novamente que ouvir a expressão da crueldade. Outra vez.


Prefácio

Por motivos que não interessa detalhar, fui a uma cerimónia religiosa católica. Durante o sermão, o padre decidiu falar do referendo da IVG. Eu comecei a mexer-me no banco. Aceitei o facto de estar ali ser já uma conivência, pelo que ainda que considerasse que o que estava a ser proferido fosse abominável do meu ponto de vista, era coerente na visão da Igreja Católica. Calo. Ouço. Calo. O sermão extravasa para a eutanásia e continuo a dizer-me que tenho que respeitar quem está a falar só pelo facto de eu saber aonde vinha. Começo a sentir-me revoltada comigo por estar ali, mas racionalizo o motivo.

O padre pode pregar o que quiser. A Igreja é ele e as outras pessoas que acreditam. Não eu. Eu estou no sítio errado porque escolhi. Tenho que ouvir os argumentos falaciosos sobre a vida; mas tudo tem um limite e mentir, parece-me, ultrapassa esse limite. O padre argumenta que nenhum país na Europa tem legislação que permita a eutanásia. Ora, isto é mentira, ou não me lembrasse eu do meu contentamento quando a Holanda passou a permitir a morte assistida de alguém. Tenho vontade de me levantar e chamar-lhe mentiroso.

Chega de prefácio. Só quero dizer algumas coisas.

1. Cada pessoa deve ter direito a viver. Viver deve ser um direito para alguém que já é alguém e não deve, nunca, ser uma obrigação. Cada pessoa deve ser soberana sobre si. Consequentemente, deve também ter direito a morrer.

2. Ninguém tem qualquer tipo de direito ou legitimidade de opinar sobre o que outras pessoas têm que suportar. Quem o faz é, no mínimo, idiota.

3. Querer que alguém viva só porque viver é possível é cruel. Pensar que se tem superioridade moral para exigir que outras pessoas vivam é cruel e egoísta.

4. Não permitir a eutanásia é tão ridículo como proibir o suicídio. Ninguém tem uma obrigação social de viver.

5. Processar um médico ou qualquer outra pessoa por ser humano ao ponto de ajudar alguém, que quer morrer, a morrer é, no mínimo, irónico. E é o elogio à crueldade e ao sofrimento.


Outcome

Exactamente como defendi em relação à IVG, permitir a eutanásia é reconhecer que cada pessoa deve ser soberana sobre si e sobre o seu corpo. E, fundamentalmente, dizer não à crueldade e ao sofrimento.

E, já agora, podíamos, desta vez, não utilizar argumentos religiosos nesta discussão que me parece urgente?

PS. Quem é que me sabe dizer como se arranja um daqueles banners todos jeitosos para eu pôr ali na barra da direita, com esta mensagem?

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