Pensamentos líquidos 41

Bertolucci's dream(er)s


Cada pessoa é indissociável do contexto que a rodeia; não discuto. É bom e é mau que assim seja. O que quero dizer é que há algumas coisas demasiado enraizadas em cada pessoa e que raramente são questionadas. Mesmo por aqueles que gostam de argumentar que não acreditam em nada, duvidam de tudo, e não aceitam nada só por ser geralmente aceite. Como eu.

Sempre me pareceu idiota, to say the least, que as pessoas vissem uma relação homossexual diferente de uma relação heterossexual e que, por isso, discriminassem a primeira. E isto só porque utilizei a minha capacidade crítica. Ainda que a maior parte das pessoas à minha volta talvez o achasse também. E por isso sempre me orgulhei de, dentro da sociedade, conseguir pensar de uma maneira muito independente. Por isso sempre defendi que podia ter muito mais em comum com pessoas que não conhecia e que viviam num ambiente muito diferente do meu.

Mas há uma coisa que na generalidade nunca questionei. Não sei bem porquê e, exactamente por isso, eu, logo eu, estava a ser conivente com aquilo que passo a vida a criticar. A resposta até pode estar certa à partida, mas isso não interessa. Interessa pôr em causa, se se chegar à conclusão que tudo funciona bem assim óptimo, senão, tenta mudar-se. Se não se chega a conclusão alguma, continua a procurar-se ou se, falhadas as tentativas, não parecer merecedor de tempo, esquece-se.

Mas questiona-se. Sempre.

E aqui vai um enorme prefácio.

O exemplo que dei não é, logicamente, inocente. Ainda que, historicamente, tenha passado por fases muito diversas (na Grécia antiga, a homossexualidade era, no mínimo, comum – até aceito que este exemplo seja perigoso uma vez que podem contrapor com a existência de pedofilia, mas exactamente por não haver qualquer tipo de correlação entre as duas coisas, eu escolhi-o), a perseguição à homossexualidade tem um passado demasiado longo para não ser chocante. Mas talvez por ter um passado tão extenso, já havia muitas pessoas que o tinham questionado, que tinham mostrado como era idiota. E o que é o básico aqui – duas pessoas que gostam uma da outra ou que querem ter sexo uma com outra. Plain and simple. E o que é que eu digo a isto? Digo só o mesmo de sempre: pessoas adultas e conscientes devem ser soberanas sobre o seu corpo, ter liberdade sobre o que fazem de comum acordo.

Mas agora se me perguntassem «E se fossem irmãos?». Eu teria, talvez, uma inflexão de voz; mas começava a questionar-me. Quem escreve irmãos, escreveria outro qualquer tipo de relação familiar. Obviamente e, SEMPRE, entre adultos conscientes. Até que ponto este não é mais do que um dogma cristalizado? Um «não deve ser porque está errado»?

Édipo cegou-se para não se apaixonar pela mãe. A literatura está cheia de casos entre irmãos. E acaba tudo da mesma maneira – «está errado porque está errado». Mas o que é que pode haver de tão errado aqui?

Argumentam que é contra-natura, que a consanguinidade acarreta consequências demasiado penosas para a descendência e que isso deve querer dizer qualquer coisa. Mas parece-me que isto quer dizer que as relações entre as pessoas têm inevitavelmente que ter como consequência filhos. E isto é idiota. Como o é nas relações homossexuais (retirado a papel químico do argumento de duas pessoas homossexuais não poderem ter filhos). Até aqui não vejo qual é a diferença. All in all, o que é o básico aqui? Eu acho que é outra vez duas pessoas que gostam uma da outra ou que querem ter sexo uma com a outra. E vista a coisa desapaixonadamente, continuo a achar que ninguém tem nada a ver com isso.

Então? O Sr. Bertolucci acertou quando fez o «The dreamers».


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