Pensamentos líquidos 61

Women at stake

Pensei muito antes de escrever este post. Desde início, soube que tinha que decidir se iria tratar o tema com alguma leveza ou detalhar mais. Ainda que partindo de situações prosaicas, acho que as conclusões são demasiado sérias para perder a oportunidade de reflectir um bocadinho sobre o assunto. Primeira tentativa.

Vou cingir-me ao mundo ocidental. A análise no mundo islâmico é diferente. O que não quer dizer que seja melhor.

A desigualdade entre homens e mulheres é ainda evidente. Todos sabemos que, em média, as mulheres ganham menos do que os homens, como sabemos que o número de mulheres em cargos importantes é menor do que o de homens (ainda que haja mais mulheres do que homens no mundo), como há menos mulheres a viajarem em executiva do que homens.

Mas o que quero explorar é uma vertente muito específica. Exige-se mais às mulheres. E o ponto que eu quero explorar é que se exige mais em termos de aspecto, looks. Exige-se que as mulheres sejam mais bonitas, mais elegantes e mais “duradouras” do que os homens.

EXEMPLOS

Às vezes vejo wrestling. Acho que aparte a palhaçada, os atletas/entertainers são muito bons. Mas enquanto os homens, atletas fantásticos, são normalmente feios e têm corpos muito pouco apelativos; as mulheres são sempre absurdamente esculturais e bonitas, para além de atletas incríveis. Não me entendam mal, aprecio a beleza, mas aprecio para os dois lados.

Outro exemplo. Ténis. As marcas que patrocinam os tenistas usufruem da imagem do um modo díspar entre mulheres e homens. Enquanto no circuito masculino, o mais excitante que se consegue é uma discussão sobre o tamanho dos calções do Nadal; as tenistas exibem fatos notáveis. A imagem da Sharapova não é só importante por ela ser uma tenista de top-5, é-o porque ela é bonita; senão, pense-se no caso da Anna Kournikova, uma tenista não muito interessante, mas com uma imagem que valeu milhões. Já agora, se acham que estou a exagerar, pensem nas meias dos tenistas puxadas inesteticamente até meio da perna.

Os pivots de televisão. Não preciso de dizer que há muitos senhores por aí que não são particularmente bonitos e que têm tempo de antena de destaque. As mulheres têm, quase sempre, uma imagem agradável. São palavras inúteis as que gastar sobre o cinema, não são? É chover demasiado sobre o molhado.

Chega de televisão. Vem a minha pièce de résistance. Em média, um casal, se de sexos diferentes, tem um nível de beleza similar. Nos casos em que isso não acontece, em média, a mulher é mais bonita e mais elegante do que o homem. Parece-me sempre que esta diferença existe como uma forma de compensação por qualquer coisa que não sei o que é. E aqui a minha facadinha de maldade. Há também uma situação muito comum nalguns círculos e que acontece após casamento (nesses círculos é sempre após casamento). É visto como “importante” que o homem engorde (porque está a ser “bem tratado”), mas se for a mulher, isso é normalmente apelidado de “desleixo”…

CONCLUSÕES

Sei que todos estes são fenómenos que, com jeitinho, podiam ser vistos separadamente. Mas não acho que, de facto, sejam destrinçáveis. São expressões do mesmo fenómeno social – uma exigência, mais forte às mulheres do que aos homens, de atingirem um estereótipo de beleza se quiserem ter sucesso em muitas carreiras (por demais evidente em carreiras relacionadas com a televisão) ou se quiserem ser vistas, à partida, como desejáveis.

Outra vez. Não me interpretem mal. Se eu pudesse trocava já hoje o meu corpo pelo da Melina ou a minha cara pela da Sophie Marceau. Sou uma defensora fervorosa de todo o tipo de cirurgia plástica ou qualquer outra técnica que ajude as pessoas a terem o aspecto que gostariam de ter. E não tenho qualquer estigma de “mulher-objecto”. De todas as vezes que vou a Londres tento comprar corpetes ou espartilhos.

O problema não é, portanto, o que as pessoas fazem para se sentirem bem, desde que o façam de livre vontade, desde que seja uma escolha. É quando o fazem por pressão social. E é porque todos os fenómenos que descrevi revelam uma duplicidade de critérios em que os homens são beneficiados. E esta duplicidade é injusta. As pessoas devem ser escolhidas para uma função, um emprego, uma tarefa pelas qualidades que têm a desempenhá-la(lo), não pelas qualidades visuais.

O curioso disto é que este não é um "fenómeno consequência" da história. É anacronicamente contemporâneo (acabei de inventar, mas parece-me outro conceito com pernas para andar). E não sei dizer o que nos trouxe aqui. Mas espero não dure muito. Porque a injustiça irrita-me.

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