Contos 4


Ciclo F - A certeza


Fizeste-me pensar palavrões que normalmente julgava pertencentes a pessoas pouco controladas. Para ti. Palavrões destinados só para ti. A mais ninguém poderiam estar reservados. Excepto. Excepto para mim. A quem estendi palavrões diferentes para acomodar a minha imbecilidade. Por ti. Fui uma imbecil por ti. E uma idiota. A idiota que conjecturou possibilidades entre nós dois. Impossíveis.
Detenho agora a certeza, sim, a certeza hipotética do que sempre devia ter sabido. A verdade. Seja lá isso o que isso signifique. Uma verosimilhança com os resultados. Uma tristeza de interiorização de inviabilidade. Uma… autenticidade que destrua ilusões. E esta certeza é agora mais cruel do que seria se não me tivesse enganado. Talvez a culpa seja só minha e eu não devesse ter fantasiado impossibilidades mas quase não controlo a mente quando fecho os olhos e vejo mais do que pode existir. Ainda que tente. Talvez apagar essas imagens, esconder-te atrás de um arbusto da mente, prender-te numa gaveta fechada. E respirar. Novamente. Passou muito tempo desde que respirei pela última vez. Só dióxido de carbono corre nos meus pulmões. Durante aqueles dias em que uma palavra tua me dava ar para enfrentar tempestades, achei não precisar de acumular ar puro para no futuro sobreviver. Erro. De quem sente o contentamento inverosímil. E agora sufoco no meu esbanjamento. Imbecilidade.
Deveria ter sido mais prudente. Deveria ter-me protegido mais. Bloqueado o jacto de sentimentos que cresciam. Por ti. Por saber que jamais seriam possíveis numa realidade em que ambos existíssemos. A minha imprudência fez germinar a dor e agora vivo só esse sofrimento. E destruo-me. Destruo-me por ser uma fraca que finge uma força que me deixou. Destruo-me para me castigar por ter acreditado. Destruo-me. Por ti.
E começo a achar que não quero sair desta tristeza ubíqua em mim, obsidiante. De ti. Trato com carinho esta angústia e pioro a dor que já havia em mim com a dor que não quero esquecer. Ainda que. Se repetíssemos aquelas palavras escritas, doces, ingénuas, voltaria a sentir os químicos do contentamento percorrerem-me o cérebro. E não sei. Não sei se conseguiria conservar a força para me lembrar do sofrimento da certeza hipotética. A certeza. Quando sei. E sei. Sei que tudo o que me deixou feliz foi só mais uma ilusão. De ti.


[Março de 2006]

PS. Só para saberem: a certeza hipotética não nasceu aqui, é muito anterior.

Sem comentários: