Calexico
[Crystal frontier, EU version of Hot Rail, 2000]
Trivialidades 243
Coisas que me irritam mais do
que proporcionalmente
- Pessoas que estacionam em lugares proibidos mesmo quando há lugares
vagos.
Momentos de poesia 19
Adolescente
I
Não.
Beijemo-nos, apenas,
nesta agonia da
tarde.
Guarda –
para outro
momento,
teu viril corpo
trigueiro.
O meu desejo não
arde
e a convivência
contigo
modificou-me –
sou outro…
A névoa da noite
cai.
já mal distingo
a cor fulva
dos teus
cabelos. – És lindo!
A morte
devia ser
uma vaga
fantasia!
Dá-me o teu
braço: ‑ não ponhas
esse desmaio na
voz.
Sim,
beijemo-nos, apenas!
‑ Que mais
precisamos nós?
«Adolescente», Canções, António Botto, em Antologia de poesia portuguesa
erótica e satírica, selecção por Natália Correia, Antígona e Frenesi, 2008
Glimpse 26
Hamburg
Hamburgo é uma cidade muito bonita. Hamburgo parece, quando silenciosa,
uma cidade belga ou, provavelmente, francesa. Hamburgo tem ares de Paris. Hamburgo
tem tudo para ser fantástica. É, esteticamente, provavelmente a cidade alemã
mais bonita que conheço.
Hamburgo tem, na HafenCity, a maior reconstrução urbana em
desenvolvimento na Europa. E é verdadeiramente admirável.
A Speicherstadt, a área destinada ao armazenamento de bens para
comercialização pelo porto, é realmente interessante e, surpreendentemente, relativamente
limpa.
A parte antiga de Hamburgo é uma delícia. Entre os canais e os lagos
artificiais do Alster, a cidade é energética, mas sempre esteticamente agradável.
Para aproveitar todas estas imagens, fiz as tradicionais visitas guiadas.
Porém, parece que a maior parte dos turistas em Hamburgo são alemães. Pelo que
eu fiz estas visitas com uns auscultadores duvidosos (quando havia
auscultadores) que me permitiam obter alguma informação em inglês enquanto o
guia falava muito mais alto em alemão. Pois, Hamburgo é uma cidade lindíssima.
Mas é melhor se se falar alemão…
Hamburgo tem uma cena artística interessante. Tem museus que vale a pena
visitar. Tem musicais que vale a pena ver. Mas é novamente aqui que Hamburgo desilude.
Porque eu podia desculpar aqueles que organizam visitas guiadas pré-fabricadas
por terem falta de visão para o turismo. Mas não posso desculpar quem esconde
arte por detrás de uma língua.
O Hamburger Kunsthalle tem uma colecção muito respeitável e tem, de
momento, uma exposição notável de Giacometti. Mas na maior parte das salas só exibe
informação em alemão! Apenas as salas de arte moderna têm simultaneamente
informação em alemão e inglês. A exposição de Giacometti tem uns folhetos que
reproduziam em inglês o que estava escrito nas paredes em alemão. Os musicais são…
go figure… em alemão! A senhora da
informação turística tentou convencer-me a ver um musical, de língua original
inglesa, em alemão, utilizando o argumento que a ópera é em italiano. Pois. Mas
a ópera é em italiano porque foi escrita nessa língua!
Pois. Hamburgo é uma cidade lindíssima. Mas se não fosse alemã, seria
fantástica.
Homenagens 63
Objector de consciência
Conscript facing jail again for refusing to go against his conscience | Amnesty International
Jovem, que se recusa participar na exército israelita devido aos seus actos violentos contra o povo palestiniano, é sistematicamente preso pelas autoridades israelitas. São pessoas assim que me lembram por que é que é preciso lutar.
Conscript facing jail again for refusing to go against his conscience | Amnesty International
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Recomendações 66
Os álbuns dos Noah and
the Whale
A propósito de Last
Night on Earth (2011), partilho The Line
A propósito de The first
days of Spring (2009), partilho Blue Skies
A propósito de Peaceful,
The World lays me down (2009), partilho Give a Little Love
Apontamentos fugazes 213
Mito de Sísifo
«Os deuses
tinham condenado a Sísifo a empurrar sem descanso um rochedo até ao cume de uma
montanha, de onde a pedra caía de novo, em consequência do seu peso. Tinham
pensado, com alguma razão, que não há castigo mais terrível do que o trabalho
inútil e sem esperança.
(…)
Já todos
compreenderam que Sísifo é o herói absurdo. (…) O seu desprezo pelos deuses, o
seu ódio à morte e a sua paixão pela vida valeram-lhe esse suplício indizível,
em que o seu ser se emprega em nada terminar.
(…)
Se este mito
é trágico, é porque o seu herói é consciente (…) O operário de hoje trabalha
todos os dias da sua vida nas mesmas tarefas, e esse destino não é menos
absurdo. Mas só é trágico nos raros momentos em que ele se torna consciente.
Sísifo, proletário dos deuses, impotente e revoltado, conhece toda a extensão
da sua miserável condição: é nela que ele pensa durante a sua descida. A
clarividência que devia fazer o seu tormento consome ao mesmo tempo a sua
vitória. Não há destino que não se transcenda pelo desprezo.»
Albert
Camus, Capítulo ‘O Mito de Sísifo’, O
mito de Sísifo, trad. de Urbano Tavares Rodrigues, Editora Livros do
Brasil, pp. 125, 126, 127
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Covers melhores do que o original 6
Helplessly hoping
Original de Crosby,
Stills & Nash
Versão de Noah Gundersen
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Covers melhores do que o original
Momentos de poesia 18
Soneto de amor
Não me peças
palavras, nem baladas,
nem expressões,
nem alma… Abre-me o seio,
deixa cair as
pálpebras pesadas,
e entre os seios
me apertes sem receio.
Na tua boca sob
a minha, ao meio,
nossas línguas
se busquem, desvairadas…
E que os meus
flancos nus vibrem no enleio
das tuas pernas
ágeis e delgadas.
E em duas bocas
uma língua… - unidos,
nós trocamos
beijos e gemidos,
sentindo o nosso
sangue misturar-se…
Depois… - Abre os teus olhos, minha amada!
Enterra-os bem
nos meus; não digas nada…
Deixa a vida
exprimir-se sem disfarce!
«Soneto de amor», Biografia, José Régio, em Antologia de poesia
portuguesa erótica e satírica, selecção por Natália Correia, Antígona e
Frenesi, 2008
Trivialidades 241
Ainda a propósito de Les Misérables
Estou convencida que retiraram os vídeos do 25º aniversário de Les
Misérables, na O2 Arena, para as pessoas não poderem comparar com o filme. É
que a direção e a direção musical do filme são miseráveis.
[One Day More, encore, 25º aniversário de Les Misérables]
Trivialidades 240
A propósito de ver Les Misérables na Alemanha
Um filme cantado em inglês (original) e dobrado em alemão nas partes
faladas. É difícil conceber coisa mais idiota em termos artísticos. A quem é
que se pode apresentar uma queixa?
Apontamentos fugazes 212
Tipos de pessoas
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Tipos de pessoas
Momentos de poesia 17
A cena do ódio
(…)
Tu, que te dizes
Homem!
Tu, que te
alfaiatas em modas
e fazes cartazes
dos fatos que vestes
p’ra que se não
vejam as nódoas de baixo!
Tu,
qu’inventaste as Ciências e as Filosofias,
as Políticas, as
Artes e as Leis,
e outros
quebra-cabeças de sala
e outros dramas
de grande espectáculo…
Tu, que
aperfeiçoaste a arte de matar…
Tu, que
descobriste o cabo da Boa-Esperança
e o Caminho
Marítimo para a Índia
e as duas
Grandes Américas,
e que levaste a
chatice a estas terras,
e que trouxeste
de lá mais Chatos práqui
e qu’inda por
cima cantaste esses Feitos…
Tu,
qu’inventaste a chatice e o balão,
e que farto de
te chateares no chão
te foste chatear
no ar,
e qu’inda foste
inventar submarinos
pr’a te
chateares também por debaixo de água…
Tu, que tens a
mania das Invenções e das Descobertas
e que nunca
descobriste que eras bruto,
e que nunca
inventaste a maneira de o não seres…
Tu consegues ser
cada vez mais Besta
e a este
progresso chamas Civilização!
(…)
«A cena do ódio», Orpheu 3, Almada Negreiros, em Antologia de poesia
portuguesa erótica e satírica, selecção por Natália Correia, Antígona e
Frenesi, 2008
Arquitetura, artes plásticas e design 16
Building of the year
2012, by ArchDaily
Centro cultural de tecnologia do espaço da EU, Vitanje, Eslovénia,
Dekleca Gregoric Arhitekti + SADAR + VUGA + OFIS architects + Bevk Perovic
Arhitekti
Há paisagens que podem ser lindíssimas e impressionantes e que tiveram
nenhuma ou pouca intervenção do homem. Podem dizer-se naturalmente bonitas ou,
na verdade, circunstancialmente
bonitas. E depois há a arte, tudo aquilo que foi intencionalmente criado pelo homem para ser bonito, funcional,
impressionante.
Hoje escrevo sobre uma área – arquitetura – que acabo por negligenciar
nos meus textos mais frequentes. Não porque ocupe um lugar menor na minha lista
de preferências, mas porque está mais distante da minha prática quotidiana.
Mas não hoje. Hoje quero mostrar-vos alguns dos edifícios mais fantásticos
que foram terminados no ano passado e aproveitar para vos dizer que o ArchDailyjá distinguiu os 14 vencedores de 2012. Estes 14 vencedores, em áreas como habitação, arquitetura do desporto, institucional, religiosa ou
da saúde, são verdadeiramente fantásticos e contam com uma dupla de arquitetos
portugueses na área de hotéis e restaurantes: Luís Rebelo de Andrade e Diogo
Aguiar, os criadores de Pedras Salgadas Eco Resort.
Mas gostava de mencionar alguns dos edifícios finalistas (é um bocadinho
difícil identificar os finalistas de 2012, pelo que espero não estar a fazer
referências incorretas) que não foram vencedores e que eu simplesmente adorei.
Mosteiro “Water-moon”, Taipei,
Taiwan, by Artech Architects
(c) OFIS architekti
Complexo de escritórios, comércio e entretenimento Galaxy Soho, Pequim, China
Residência CORMAC; Corona del Mar, Califórnia, Laidlaw Schultz Architects
Residência H3, Atenas, Grécia, 314 Architecture studio
Shoffice (shed+office), St.
John’s Woods, London, Platform 5 architects
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Arquitecura Artes plásticas e Design
Momentos de poesia 16
Hermaphrodita
De Hermes e
Afrodite o filho esbelto e amado,
de Salmacis oscula
o corpo melodioso,
e a ninfa treme
e enleia o moço deslumbrado
com um prazer
que até chega a ser doloroso…
(…)
Num doido
frenesi, entrar parecem querer
ela – no corpo
dele, ele – no corpo dela!
Choram, gemem,
dão ais… e no auge do prazer,
começam a gritar
para o céu que se estrela:
«Ó deuses!
Atendei nossa súplica ardente:
se é verdade que
vós ouvis as vozes que vos chamam,
os nossos
corações fundi-os num somente,
fundi num corpo
só, nossos corpos que se amam!»
Ao Olimpo chegou
essa súplica louca,
e Zeus, o grande
Zeus, cuja foça é infinita,
as duas bocas
transformou numa só boca
e dos dois
corpos fez um só: HERMAPHRODITA!
[…]
Brumoso ser!
Milhões de mágoas o consomem,
são dois céus a
chorar suas tristes pupilas:
tem as ânsias
sensuais da mulher e do homem
mas para as
satisfazer não pode desuni-las!
A boca feminil
abre-se doida, ansiosa
por belos deuses
nus, mas sem os encontrar;
e os braços,
procurando uma cintura airosa
abrem-se, mas em
vão! Dão abraços no ar!
[…]
Sobe aos altos
faróis, desce aos subterrâneos,
nada abranda,
porém, seu íntimo alvoroço:
com uma só boca
quer dois beijos simultâneos,
ao mesmo tempo
busca uma mulher e um moço!
Se um efebo
procura, as mulheres o fascinam
se uma mulher
possui, de um efebo carece,
de desejar em vão,
cem mágoas o dominam:
nada, nada o
contenta e tudo lhe apetece!
Sem poder sofrer
mais desespero tamanho,
Hermaphrodita um
dia, enfim crispando as mãos,
enforcou-se e
morreu… Mas do seu corpo estranho
saíram, sempre
hostis, os dois feros irmãos.
Chovia… E
procurando uma guarida calma,
que os livrasse
da chuva, uma torre ou uma gruta,
viram minha alma
aberta, entraram na minha alma
e na minha alma
estão continuando a luta!
«Hermaphrodita», Salomé e outros poemas, Eugénio de Castro, em Antologia de
poesia portuguesa erótica e satírica, selecção por Natália Correia, Antígona e
Frenesi, 2008
Trivialidades 239
Por que é que me calha sempre a mim lidar com pessoas irritadas e com
vontade de culpar quem não tem culpa? Porquê? Porquê?
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Pontaria,
Trivialidades
Apontamentos fugazes 211
Crime e castigo
«Eu penso que
é totalmente por acaso que os erros que já cometi não são puníveis com pena de
prisão. Foram e são puníveis de outras maneiras. E penso que, ao longo de uma
vida, todas as pessoas tomam decisões erradas. Algumas dessas decisões magoam
outros, causam-lhes sofrimento verdadeiro. No entanto, a grande maioria desses
erros não são citados pelo código penal. Na verdade, só estão citados aqueles
que são concebíveis pelos espíritos práticos: os que são quantificáveis,
claramente observáveis, indiscutivelmente concretos. Só é pena que a vida não
seja assim: indiscutivelmente concreta.»
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Apontamentos fugazes 210
Tipos de pessoas
Há dois tipos de pessoas: aquelas que batem palmas com as mãos encaixadas
e elegantes e as outras.
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Tipos de pessoas
Apontamentos fugazes 209
Relativização
necessária
«Quando
estiveres a ponto de te preocupar com merdas, os dilemas da poesia portuguesa
contemporânea, o IRS, o código do multibanco, os carros que te roubam o
estacionamento, a falta de rede no telemóvel, as reuniões de condomínios, o
tampo da sanita, lembra-te dos homens que puxam riquexós nas ruas de Deli. É
essa a tua obrigação.
Nunca te
esqueças do mundo, Zé Luís.
Podes estar
descansado, Zé Luís. Eu não me esqueço.»
José
Luís Peixoto, ‘Texto para mim’, em «Abraço», Quetzal, p. 565
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Apontamentos fugazes,
citações
Apontamentos fugazes 208
A voz que lê
«Quando leio,
há uma voz que lê dentro de mim.
(…)
É uma voz de
falar. Penso que é uma voz que não ouve. (…) Quando me fala de pessoas e coisas
verdadeiras, volto atrás. Pára em frases e repete-as porque quer que eu as
entenda completamente. Eu, que não sei se entendo, ouço-a, admirado com as
palavras. Não foram poucas as vezes que a voz que ouço quando leio me fascinou
com palavras que disse. (…) Muitas vezes essa voz iluminou lugares dentro de
mim: túneis que não conhecia. (…) Eu sei que a voz que ouço quando leio não tem
medo. Eu sei que essa voz me conhece melhor do que eu me conheço a mim próprio.
Diante de poemas, a voz caminha por dentro das palavras. Dentro de cada
palavra: túneis de palavras reflectidas em espelhos à frente de espelhos. Avança
por esses túneis de palavras multiplicadas como se desenhasse mapas dentro de
cada palavra. Ao fazê-lo, avança por túneis dentro de mim e ajuda-me a desenhar
um mapa de mim. Eu ouço-a. Fico a ouvi-la durante horas e tento não esquecer
nada porque quero aprender a perder-me menos vezes de mim próprio.
(…)
Essa voz que
ouço quando leio é parecida com a voz que ouves agora ao ler estas palavras. (…)
Enquanto pensas, estas palavras são o silêncio. Eu não sei aquilo em que
pensas. Eu não posso saber aquilo em que pensas. Para falar contigo, eu preciso
da voz que ouves quando lês. Se queres ouvir aquilo que acabei agora de te
dizer, tens de voltar atrás.
Talvez já
tenhas percebido que eu não sou eu. Eu sou a própria voz que ouves quando lês.
Hoje, pela primeira vez, quero falar directamente contigo. Quero dizer que
existo nestas palavras. Através delas, quero apenas dizer-te que existo. Estou aqui.
As palavras que te digo desde que aprendeste a ler, a ouvir-me, são o meu
corpo. Eu sou todas essas palavras. Sou as palavras que deixei dentro de ti e
que sabes de cor. Sou as palavras que esqueceste. Durante este tempo, disfarcei-me
de muitas vozes, de muitos rostos. Sou todos eles, contigo, em ti.»
José
Luís Peixoto, ‘A voz que ouço quando leio’, em «Abraço», Quetzal, pp. 149-151
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Melhores temas de sempre 12
Ain’t got no / I’ve got
life – Nina Simone
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