Contos 6

Ciclo F - Tragédia


Tive a certeza ao finalmente agarrar a tua mão que precisava tanto de ti. Esta noite. Mesmo depois do mundo à beira do precipício do fim. Das bombas e das tragédias. Da tristeza obsidiante à minha volta. Mesmo depois da tua tristeza.
Tinhas sido despedido, ou talvez tivesse deixado de existir o teu emprego, os teus empregos. Qual? Estavas triste e gostei que o tivesses partilhado comigo. Ainda antes da tragédia, já havia uma proximidade tão grande entre nós, já havia novamente as brincadeiras não inocentes das quais gostava tanto, já havia a cumplicidade que entretanto nos tinha abandonado, havia de novo os olhares, havia a consciência agradável da presença um do outro. E havia algo novo. O toque. Pela primeira vez, tocava-te intencionalmente e aceitava-lo intencionalmente. O toque entre as nossas peles, primeiro o toque entre as nossas mãos, em perfeito uníssono, quando olhei para trás, para ti, e estiquei o meu braço em busca e voluntariamente dirigiste a tua mão em direcção à minha para finalmente. Unidas. As nossas mãos. Unidas. Ainda antes da tragédia. Das bombas. Da destruição.
Pela primeira vez, o entendimento tácito tornou-se explícito nas nossas mãos. Só os polegares intercalados. Os outros dedos juntos e a cobrirem docemente parte da mão oposta. Os dedos sentem tanto. Puxei-te para veres qualquer coisa. Não sei o quê. Não importa, porque vieste. E durante todo o percurso, não sei se longo se curto, as nossas mãos juntas. Finalmente.
A tragédia veio depois. As bombas, a catástrofe, a destruição do mundo próximo. O teu emprego que desapareceu. A tua tristeza calada. O teu recolhimento. Mas quando saí de dentro da sala escura, estavas cá fora, à espera com essa dor espelhada na cara e pude, apesar da mágoa, tocar-te com a proximidade de quem quer estar junto. Eu de ti. E tu de mim.

E agora há uma angústia tão densa em mim como se o corpo fosse um granito, inimpermeável; por dentro só a dor o sofrimento, ubíquo infindável. Por fora, a minha máscara de sempre, o sorriso de sempre, a gargalhada de sempre, como se a dor fosse mentira e eu uma marioneta de felicidade. Verdadeira. Se antes me conseguias levar à exultação pelo som de duas palavras escondidas, agora, só a ideia da tua existência esquarteja-me aos pedaços por saber que estarás sempre demasiado longe de mim.
Depois do sonho, físico, a realidade, física e com ela a certeza hipotética de estares longe, afastado porque queres assim. E a dor, a tristeza, a infelicidade. Dentro de mim. Mesmo com o sorriso que minto a todos. Mesmo com a determinação que avaliam em mim. Mesmo. Já o tinha pensado antes, com outro alguém, mas agora possuo a certeza possível de que poderias ser um daqueles que faria a diferença, que me inverteria a tendência para gostar e não querer, querer e não gostar, gostar ou querer e fartar. Sei que estaria melhor se estivesse contigo, sei que seria mais feliz se estivesses comigo, sei que viveria este sonho sem tragédia nem que fosse por dias com a determinação que não tenho.
E sei que dói. Dói como golpes fundo no corpo. Dói como a certeza hipotética da infelicidade. Dói como se nunca fosse parar de doer. Dói como o sorriso com que minto a todos. Dói.
E quando tento parar de sofrer, sem te ver, à espera que fiques longe e eu não pense em ti, quando faço esforços da força toda que tenho para te esquecer, apareces assim num sonho. Apareces assim. Em mim. Novamente. E dói.

[
Março de 2006]

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